BCP aberto a processo de fusão com o BPI proposto por Isabel dos Santos

Nuno Amado, do BCP, mostra disponibilidade para negociar com o BPI. Mas o BPI não responde ao BCP.

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Nuno Amado, líder do BCP Pedro Cunha/Arquivo

A segunda maior accionista do BPI, a Santoro, a holding de Isabel dos Santos, veio confirmar nesta terça-feira que se opõe à Oferta Pública de Aquisição (OPA) do espanhol CaixaBank sobre a maioria do capital do banco, em que detém uma posição de 19% e poder de arbitragem. E, em alternativa, propõe a fusão do BPI com o maior banco privado português, o BCP, que já se mostrou disponível para debater uma possível concentração com a gestão liderada por Fernando Ulrich.

Por carta, enviada segunda-feira à noite às administrações do BPI, do BCP e do CaixaBank, a empresária angolana não se limita a rejeitar a oferta espanhola de compra das suas acções por “não reflectir nem o valor do banco” nem “o seu potencial de crescimento”. Propõe antes outra solução para resolver o impasse: a fusão do BPI com o BCP, o maior grupo privado português, ambos dominados por investidores angolanos (Sonangol, Isabel dos Santos/Santoro e Interoceânico) e espanhóis (CaixaBank e Sabadel).

Na missiva, que o BPI divulgou durante a tarde desta terça-feira, por imposição da Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários, a empresária dá conta de um dado importante: a Santoro manteve nos últimos dias contactos “ainda preliminares” com vários accionistas do BCP, nomeadamente de referência, mas também com a gestão encabeçada por Nuno Amado, e concluiu existir abertura para iniciar um processo de negociação com vista à consolidação com o BPI. Em sequência, a Comissão Executiva do BCP veio manifestar disponibilidade, dizendo haver "interesse” do BPI “para analisar a referida operação”. No pressuposto de que a Comissão Executiva do BCP só se pronunciou depois de ter recebido luz verde dos seus principais accionistas, sendo o mais relevante a petrolífera estatal angolana Sonangol (20%), pode-se concluir que existe da parte de Isabel dos Santos uma intenção séria de promover o casamento dos dois bancos, e que há interesse pelo menos da parte de um deles.

Os primeiros sinais de desconforto de Isabel dos Santos em relação à OPA do CaixaBank, anunciada em meados de Fevereiro, ficaram expressos na ausência de resposta por parte da Santoro que só reagiu ao fim de duas semanas e na véspera de terminar o prazo para a administração do BPI responder à proposta do seu maior investidor (que oferece  1082 milhões de euros por 66% do BPI).

Na edição de 20 de Fevereiro, o PÚBLICO deu conta da existência de possíveis divergências no capital do BPI. E hoje percebe-se melhor o silêncio cauteloso a que se remeteu o estado-maior de Isabel dos Santos.

A iniciativa angolana surpreendeu, mas não é mais do que uma evolução num processo negocial em curso e que foi aberto pela OPA do CaixaBank. E que acaba de extravasar a fronteira do BPI, para chegar ao BCP e alargar-se ao domínio público. Como é que vai evoluir a proposta de concentração (e a OPA do CaixaBank) ainda não se sabe. E qualquer avaliação que se possa fazer vai depender do desenho final do projecto. Qual vai ser o perímetro e a natureza da entidade fusionada e a sua última configuração accionista? Estas são questões ainda sem resposta. No pressuposto de que a actual relação de poder nas duas instituições irá prevalecer, então o capital do novo BCP/BPI ficaria distribuído deste modo: angolanos (31%), espanhóis (16,5), alemães (2,56%), o que representa mais de 50% do capital. A capitalização bolsista deste novo grupo, à data de hoje, seria de cerca de 6500 milhões de euros.

Mas tal como a OPA do CaixaBank, também a proposta da Santoro tem obstáculos. Dado que o BPI tem os estatutos blindados (nenhum accionista vota em assembleia geral com mais de 20%), Isabel dos Santos tem poder de bloqueio na OPA do CaixaBank, e na viabilização do seu objectivo principal: permitir aos espanhóis votar com o investimento que realizaram. Mas o grupo espanhol, com 44% do BPI, pode também impedir a fusão com o BCP.

Este equilíbrio instável força a uma negociação cuidada entre todos os envolvidos e justificou que Isabel dos Santos tenha pedido o apoio do CaixaBank para o projecto que pretende liderar, e que vai permitir à empresária ter assento numa instituição maior do que o BPI. Assim, e em vez de uma declaração de guerra ao parceiro espanhol, na sua carta, a Santoro refere os méritos da consolidação BCP/BPI, que criará o maior banco português com posições em Angola, Moçambique e Polónia e uma estrutura de geração de valor para os accionistas.

Num texto escrito num registo muito político, e pensado, a empresária declara estar “a devolver o sentimento da ambição ao sistema financeiro português”, enquanto “a OPA anunciada pelo CaixaBank pressupõe uma integração ibérica, legítima à luz dos interesses de quem a faz, mas afastada dos interesses do sistema financeiro português”.

Mas também coloca “as maiores reservas” à OPA por esta “não salvaguardar” a independência da gestão, que fica “integrada numa estrutura internacional”, e defende o actual modelo accionista do BPI , que tem o “mérito” de ser “diferenciado”, “alinhado e coeso” e permitir manter "a independência da gestão a longo prazo".

Ao entrar nesta quarta-feira na sala onde o conselho de administração do BPI, encabeçado pelo fundador do banco, Artur Santos Silva, se vai reunir para debater a OPA do CaixaBank, o CEO Fernando Ulrich deve sentir satisfação por ver os seus dois principais accionistas (CaixaBank e Santoro) a baterem-se por se manterem no capital.

A administração, que está dividida sobre o tema, deverá ser unânime a contestar o preço com que os espanhóis se propõem comprar o BPI e concluir que é insuficiente. Os 1,239 euros oferecidos por cada acção (a média dos últimos seis meses) traduzem o valor mínimo obrigatório no contexto de uma operação de mercado.

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