Bancos vão ter de avaliar capacidade dos clientes antes de darem crédito

A actividade das empresas privadas intermediárias de crédito vai ser regulamentada, garante o Banco de Portugal. E será criado um site para comparação das comissões cobradas pelas instituições financeiras.

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Actualmente, os bancos não são responsabilizados por concederem crédito excessivo face ao perfil dos clientes ANA RAMALHO

Os bancos vão ter regras mais apertadas na comercialização de produtos e serviços bancários, entre as quais está “a obrigação de avaliação da solvabilidade [capacidade de pagamento] dos clientes”, revela o Banco de Portugal (BdP) no Relatório de Supervisão Comportamental, relativo a 2015. Estas novas regras, a introduzir ainda este ano e no próximo, no âmbito de directivas comunitárias, ainda serão objecto de regulamentação por parte do supervisor e pretendem prevenir “o endividamento insustentável”.

Actualmente, através da Central de Responsabilidades de Crédito, as instituições financeiras já têm acesso ao total de compromissos de crédito assumidos por cada cliente, mas não são responsabilizadas no caso de concessão de crédito excessivo face ao perfil do cliente.

Em caso de falta de pagamento dos empréstimos, as instituições avançam com acções executivas, com penhora de bens, salários, ou contas bancárias, ou contratam empresas de cobrança de dívidas, que muitas vezes usam técnicas agressivas nessa recuperação.

Pela primeira vez, a concessão de crédito hipotecário, como é o caso do crédito à habitação, vai ter regras mais exigentes ao nível da competência técnica e à remuneração dos colaboradores das entidades financeiras. “Trata-se de garantir que o cliente bancário recebe a assistência adequada por parte dos funcionários da entidade mutuante [que empresta o capital e recebe o juro] de forma a assegurar que o crédito que lhe é concedido é adequado à sua capacidade financeira”, refere a nota do governador.

Não menos importante é a garantia deixada por Carlos Costa de que a actividade de intermediário de crédito também passará a ser regulada, o que não acontece actualmente. “Os profissionais desta actividade [assegurada por empresas privadas e profissionais em nome individual] passam a estar sujeitos a registo público e ao cumprimento de deveres de conduta, podendo ser directamente sancionados em caso de violação do quadro normativo aplicável”.

A actividade privada de intermediação de crédito presta aconselhamento e canaliza pedidos de empréstimo e reestruturações de financiamento para instituições de crédito. Neste domínio tem-se verificado vários tipos de queixas de clientes lesados, mas a falta de enquadramento legal tornava impossível o controlo da actividade.

No Relatório de Supervisão Comportamental (RSC), Carlos Costa também refere que serão feitos ajustamentos aos depósitos indexados e será reforçada a comparabilidade das comissões bancárias relativas às contas de pagamento. Neste domínio será criado “um site na Internet onde os clientes bancários possam comparar as comissões cobradas pelas diferentes instituições”.

Ao contrário do que acontece agora, em que os preçários dos bancos estão disponíveis individualmente, tornando muito difícil a comparação, o novo site vai facilitar esse processo, ao reunir num mesmo quadro as diferentes comissões cobradas para cada área específica.

Em termos regulatórios, o BdP tem ainda novas exigências ao nível da crescente oferta de produtos e serviços através dos canais digitais. Neste domínio, o supervisor reconhece que pode não “ceder à ilusão de que as instituições são virtuosas e assentam em valores e princípios que visam o equilíbrio de interesses em presença (…), mas deve evitar cair na tentação de congelar os modelos de negócio e de distribuição em nome da segurança da relação de conduta, com prejuízo da eficiência e da intermediação financeira”.

Aumento de contra-ordenações

No ano passado, no âmbito da supervisão comportamental, o BdP instaurou a 45 instituições 215 processos de contra-ordenação, mais do triplo do registado no ano passado. Um aumento explicado por uma “actuação mais intrusiva”, refere o próprio regulador.

O supervisor realizou 467 acções de inspecção aos balcões, 23 acções nos serviços centrais das instituições e 525 acções à distância, abrangendo um total de 106 entidades, mais dez do que no ano anterior. As reclamações dos clientes bancários diminuíram pelo segundo ano consecutivo, totalizando 13.487, menos 5% do que em 2014.

Na sequência destas acções e das reclamações, foram emitidas 1034 recomendações e determinações específicas para corrigir as irregularidades detectadas, mais 35% do que no ano anterior.

Os prospectos informativos de depósitos indexados e duais analisados aumentaram cerca de 19% face ao ano anterior, acompanhando o maior número de depósitos comercializados por um número maior de instituições.

O relatório confirma o impacto limitado do regime extraordinário de regularização de dívidas da casa. Entre Novembro de 2012 e 2015, os clientes apresentaram 2983 requerimentos de acesso e, dos 565 processos concluídos, apenas 312 resultaram na regularização do incumprimento. O regime extraordinário caducou a 1 de Janeiro de 2016. No regime geral, foram concluídos 85.238 processos com regularização do incumprimento em contratos de crédito à habitação e outros créditos hipotecários (71 198 em 2014) e 242 298 relativos a crédito aos consumidores (226 955 em 2014).

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