Banco Santander ganha "guerra" dos swaps contra o Estado

Suspensão de contratos de empresas públicas decidida por Maria Luís Albuquerque pode custar 1800 milhões de euros ao Estado. Em comunicado enviado à CMVM, o banco adianta que o montante em falta em Outubro de 2015 ascendia a 272 milhões de euros.

Foto
Banco ganhou uma batalha contra o Estado português em Londres Dário Cruz

O Banco Santander Totta acaba de ver reconhecida pela justiça inglesa a validade dos contratos de swap assinados pelas empresas públicas Metropolitano de Lisboa, Carris, Metro do Porto e STCP, e cuja perda potencial para o Estado, a valores actuais, é de cerca de 1800 milhões de euros, de acordo com fonte ligada à instituição financeira.

Em Março do ano passado, o Estado, por via da Agência para a Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública (IGCP), dizia que o valor das perdas potenciais dos nove contratos de swap comercializados pelo Santander estava nos 1384 milhões de euros.

Os contratos de swap assinados pelas empresas visavam a cobertura do risco de subida das taxas de juros nos empréstimos contratados com o banco. Como as taxas Euribor começaram, a partir de finais de 2008, a cair de forma significativa, atingindo mesmo valores negativos, o produto financeiro passou a gerar perdas elevadas para as entidades públicas.

Em comunicado enviado à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), o Santander informa que “o valor exacto da condenação das empresas públicas, bem como os termos precisos dessa condenação, serão fixados em Court Order [ordem judicial] a emitir previsivelmente até 23 de Março de 2016”. O banco refere ainda que no processo pedia que as empresas fossem condenadas no pagamento de cerca de 272 milhões de euros, a que acrescerão juros desde Outubro de 2015.

Deste montante, a maior factura, que ronda os 80 milhões, cabe à Metro do Porto, que já tem esta verba provisionada nas suas contas, e o mesmo deverá verificar-se nos restantes operadores, segundo apurou o PÚBLICO.

O valor de 1800 milhões de euros refere-se a perdas potenciais dos contratos, a preços actuais, no período total de vigência, que rondará os 15 anos. Neste período, as perdas ou ganhos dependerão da evolução das taxas Euribor.

Notícias não são boas, admite Costa
O processo agora perdido pelo Estado surgiu na sequência da decisão da ex-ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, de romper unilateralmente com os contratos, suspendendo os pagamentos contratualmente devidos. A decisão actual poderá ser passível de recurso se o Governo vier a decidir nesse sentido e o tribunal inglês aceitar o pedido — o primeiro-ministro, António Costa, disse nesta sexta-feira que "não há, neste momento, decisão tomada sobre essa matéria".

Numa primeira reacção à decisão judicial hoje conhecida, Costa disse ainda que a sentença é para cumprir e não escondeu que para o Governo português esta “não é uma boa notícia”.

"A função deste Governo é resolver problemas que surjam e é isso que iremos fazer. Obviamente não é uma boa notícia [porque] significa mais custos para o Estado, mas teremos que os suportar e fazer face porque é isso que compete a um Governo. Enfrentar problemas e resolvê-los", disse o primeiro-ministro em Arcos de Valdevez, no final de uma visita a uma empresa apoiada por fundos comunitários no âmbito do plano 100. 
"Vamos ver como são as condições de pagamento. Obviamente é uma consequência de uma decisão anterior que teremos que honrar e cumprir a decisão judicial. Iremos ver como será cumprida, qual é o impacto e em que ano", disse ainda.

 

Em comunicado divulgado após o conhecimento da sentença, proferida esta sexta-feira em Londres, o Santander recorda que “se esforçou por alcançar uma solução negociada que, dentro do razoável, minorasse os prejuízos para o Estado Português decorrente dos contratos”.

“Perante o insucesso das negociações”, refere a nota, o banco “viu-se forçado a lançar mão do mecanismo de resolução de litígios contratualmente previsto e suscitou a intervenção do Commercial Court de Londres, pedindo ao tribunal que se pronunciasse sobre a validade dos nove contratos de swap celebrados com aquelas empresas públicas”.

A instituição liderada por António Vieira Monteiro defende que “para além de reconhecer total razão ao Banco Santander Totta, o Commercial Court de Londres realçou ainda que ficou claro ao longo de todo o processo negocial" que o banco "aconselhou devidamente as empresas públicas no momento da celebração dos contratos de swap”.

Para o Santander Totta, "a negociação e celebração dos nove contratos em apreciação foi sempre de total correcção e lealdade para com as empresas públicas”, alega o banco, afirmando ainda ter sido reconhecido que, “no momento da contratação, todas as partes tinham boa razão para crer que os contratos serviriam os melhores interesses das empresas públicas e que foi nesse contexto que foram formalizados entre 2005 e 2007”.

Governo fala em "problema herdado"
A falar na comissão de Orçamento e Finanças da Assembleia da República sobre a proposta de Orçamento do Estado para 2016, o ministro das Finanças foi questionado esta sexta-feira pelos deputados sobre o impacto nas finanças públicas da sentença judicial agora conhecida.

Mário Centeno disse aos deputados que ainda precisava nesta fase de estudar a situação. “Vamos tomar conhecimento da sentença, vamos ver o que está lá escrito, ainda não conheço a sentença”, afirmou, aproveitando para salientar que este é um problema herdado do anterior Executivo. “É apenas mais uma das questões com que nos vamos defrontar. É mais um problema que temos de resolver, um problema que herdámos, e já tivemos de resolver muitos problemas”, afirmou.

Em relação ao potencial impacto orçamental, o ministro assumiu a sua existência, afirmando, contudo, que "não tem uma incidência imediata". Tal depende, por exemplo, de se as empresas públicas que contrataram os swaps constituíram entretanto provisões para fazer face a eventuais perdas. “Não sei se havia provisões”, disse, voltando a deixar críticas ao anterior Executivo. “Depois de terem estado a gerir durante quatro anos este processo, não podem vir com conversas populistas”, afirmou, em resposta às críticas que foram feitas pelos deputados do PSD e CDS.

Entre os deputados, a discussão foi intensa. António Leitão Amaro (PSD) assinalou que “os contratos de swaps foram assinados durante o Governo PS” e afirmou que, na comissão de inquérito sobre a matéria, “os partidos de esquerda diziam para não negociar e que o melhor era ir tudo para tribunal”, com os resultados agora observados.

Do lado do PS, João Galamba defendeu que o problema foi o facto de a então secretária de Estado do Tesouro, Maria Luís Albuquerque, ter “prescindido de tentar colocar a acção em tribunal sob jurisdição nacional”, sabendo-se que “o Tribunal de Londres tinha um historial de ser favorável às empresas”.

A mesma ideia foi defendida por Paulo Sá, do PCP, que acusou ainda o anterior Governo de, “após a tomada de posse, ter ficado 14 meses sem fazer nada e durante esse período as perdas duplicaram”.

O Estado chegou a acordo com vários bancos internacionais relativamente a vários contratos de swaps, pagando cerca de mil milhões de euros, o que representou uma poupança de 32% face aos 1481 milhões de euros de perdas potenciais contabilizadas em 2013.

Contactadas pelo PÚBLICO, o Metro do Porto e a Transtejo recusaram-se a prestar qualquer informação sobre esta decisão. Também o ministério das Finanças não respondeu a várias perguntas, entre as quais se pretende recorrer da decisão.

Os contratos de Swaps, embora com características diferentes, também foram comercializados por vários bancos junto de empresas privadas. Algumas dessas empresas, em face dos prejuízos sofridos (gerados pela queda da taxa Euribor), pediram nos tribunais portugueses a anulação deste produto, mas as decisões não têm unânimes. Dois dos três únicos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) são favoráveis às empresas e assentaram na alteração de circunstâncias (descida abrupta das taxas de juro), na ofensa à ordem pública. A terceira decisão recusou a pretensão da defesa de que se tratava de “um contrato de jogo ou aposta”. A decisão de Londres não tem qualquer impacto nos processos das empresas privadas, disse ao PÚBLICO um advogado.com Sérgio Aníbal e Raquel Almeida Correia

Notícia corrigida às 16h05: o valor de 1800 milhões de euros não corresponde a perdas imediatas, mas sim a perdas potenciais.

Sugerir correcção
Ler 47 comentários