Banco de Portugal vai criar alertas para empresas em risco de falir

Praticamente todas as medidas da estratégia apresentada no sábado pelo Governo já eram conhecidas, mas o documento aprofunda reformas para lidar com endividamento e falências.

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Estratégia apresentada pelo Governo traz novidades na área do endividamento, mas é em grande parte um elencar de medidas já conhecidas Rui Gaudêncio

O problema está identificado: as empresas acordam tarde de mais para os problemas. Quando recorrem à insolvência ou tentam reestruturar as dívidas para se manterem à tona, já perderam a confiança dos fornecedores e da banca, ficaram obsoletas e têm penhoras a entrar-lhes diariamente pela porta. E, por isso, muitas acabam na falência, com consequências graves para a economia, para o emprego e para o próprio Estado, credor pelo lado do fisco e da Segurança Social.

No documento que no sábado saiu do Conselho de Ministros, intitulado o “Caminho para o Crescimento”, o Governo levanta o véu da estratégia que será concretizada este ano para resolver este problema, depois de a troika ter avisado que as reformas feitas até aqui nesta área não chegaram. Uma das medidas previstas é a criação de alertas para identificar empresas em risco. Este sistema está em “desenvolvimento pelo Banco de Portugal” para “operacionalizar ainda este ano”, refere-se, acrescentando, de forma genérica, que o controlo caberá também às “autoridades portuguesas”.

A medida faz parte do Plano Estratégico para a Reestruturação de Dívidas das Empresas, como o executivo de Passos Coelho lhe chama. Um plano que começou a ser desenvolvido nos últimos meses e que ficou praticamente fechado na 12.ª e última avaliação ao programa de ajustamento, concluída em Abril. Neste momento, sabe o PÚBLICO, há ainda arestas a ser limadas entre os diferentes ministérios envolvidos: Economia, Finanças e Justiça.

O sistema para identificar “empresas potencialmente em risco” funcionará com base em indicadores que medem a liquidez dos negócios, como, por exemplo, a exposição em termos de dívida face às receitas geradas. Resta saber, e o documento aprovado sábado também não explica, se estes alertas terão consequências práticas. Servirão apenas para avisar os credores? Ou obrigarão as empresas a acordar mais cedo do que tinham planeado, forçando-as a recorrer a mecanismos de recuperação?

Novos fundos a caminho
O documento confirma ainda algo que o Governo não tinha assumido taxativamente, embora o Fundo Monetário Internacional, a quem o executivo pediu consultoria externa sobre esta matéria no final do ano passado, já tivesse levantado essa possibilidade. Vai ser criado um “novo financiamento para apoiar empresas viáveis em processo de reestruturação”. A ideia não é completamente nova, mas desta vez poderá ver a luz do dia.

Já em 2012, quando o código das insolvências foi revisto e se criou um mecanismo alternativo às falências judiciais, o Processo Especial de Revitalização (PER), a intenção era agregar-lhe um pacote financeiro para apoiar as empresas que saíssem na negociação com os credores com capacidade para manter as portas abertas. O Revitalizar, com uma dotação de 220 milhões de euros, foi criado, mas redireccionado para negócios com potencial de crescimento. Como o PÚBLICO noticiou na altura, a Comissão Europeia colocou algumas dúvidas sobre se estes fundos não poderiam ser vistos como auxílios de Estado.

Embora não publicamente, o Governo tem passado a mensagem de que o objectivo não é aplicar o dinheiro em empresas que já não têm margem para sobreviver. Mas sim em negócios em dificuldades com viabilidade económica. Uma parte das verbas deverá vir do novo quadro comunitário de apoio, o Portugal 2020.

O “Caminho para o Crescimento” dá ainda conta de que o plano também passará por dividir águas entre empresas, em função da sua dimensão, à semelhança do que já foi feito em Espanha. Para as pequenas e médias empresas haverá a “promoção de acordos extrajudiciais harmonizados” e, para as grandes, “acordos entre credores nos casos de reestruturação de dívidas”.

O documento refere ainda que “o Governo está a ponderar o aperfeiçoamento do enquadramento legal da reestruturação de dívidas das empresas”. Um ponto que passará, necessariamente, pela reformulação do PER, mas também do Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extrajudicial (Sireve), criado alguns meses depois e que é mediado pelo Iapmei.

Nas últimas avaliações, a troika foi bastante crítica dos dois mecanismos, considerando que não eram suficientemente apelativos para as empresas e que não estavam a cumprir o objectivo: travar as falências de empresas com potencial. Não há, porém, no documento, nenhuma referência a alterações na forma como o próprio Estado tem lidado com estes problemas, já que o fisco tem sido um dos bloqueios à sua resolução, impugnando processos de recuperação que prevejam perdão ou pagamento faseado das dívidas.

O véu que se levanta sobre este plano do Governo, que está a ser liderado pelo secretário de Estado da Competitividade, Pedro Gonçalves, é caso praticamente único no documento aprovado pelo Governo. Nas suas 65 páginas, contam-se pelo dedo de uma mão as novidades, muitas delas avançando apenas com prazos, como acontece com os novos estatutos dos reguladores, exigidos pela troika e em atraso desde Novembro, que o Governo agora se compromete a ter prontos até ao final do Verão. De resto, as medidas elencadas já são conhecidas e não vão além de 2015. com Maria Lopes e Pedro Crisóstomo

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