Banco de Portugal começou a preparar resgate do BES cinco dias antes da intervenção

Alarmes começaram a disparar na sede do regulador dias antes da apresentação das contas semestrais, que revelaram prejuízos de 3600 milhões.

Foto
Carlos Costa, governador do Banco de Portugal Miguel Madeira

Não foi na sexta-feira, como tem sido dito, que o regulador equacionou pela primeira vez o resgate ao BES. Dias antes da apresentação das contas os alarmes soaram na Rua do Comércio, onde funciona a sede do Banco de Portugal (BdP).

O PÚBLICO apurou que o Banco de Portugal começou a planear o resgate ao BES no princípio da semana passada quando se tornou evidente que a trajectória descendente da cotação do banco era já imparável e que os indícios de que poderia a qualquer momento haver uma corrida aos levantamentos se acentuaram. Foi nessa altura que o BdP contratou o gabinete de advocacia VdA para prestar assessoria na matéria e ajudar a “formatar” uma solução que respeitasse o novo quadro da União Bancária europeia.

O PÚBLICO apurou que naquela altura havia entre os responsáveis do BdP, e em certos círculos do Governo, a forte convicção de que o banco poderia “cair” na quinta, 31 de Julho, ou na sexta-feira, 1 de Agosto. Até porque, na noite de quarta-feira, 30, o BES, que tinha sido alvo de várias inspecções por parte do BdP, iria pôr à mostra todas as suas fraquezas e revelar o maior prejuízo da história empresarial portuguesa, 3600 milhões, e imparidades de 4300 milhões [perdas potenciais].  A gravidade da situação do BES “surpreendeu” o governador Carlos Costa, como o próprio relatou esta semana aos deputados de Comissão de Orçamento, Finanças e Administração Pública. 

A dimensão dos prejuízos levou os investidores, no dia seguinte, a reagir atirando as acções do BES ao tapete: a cotação recuou 42,07% para 0,20 euros. Um dia também de perdas para os restantes títulos bancários: o BCP recuou 4,37% para 0,10 euros, o Banif perdeu 3,23% para 0,009 euros e o BPI cedeu 0,99% para 1,50 euros. A evolução negativa bolsista foi acompanhada de novos levantamentos de depósitos aos balcões do grupo, uma tendência que começou aliás, na semana anterior à saída de Ricardo Salgado do BES.

Na sexta-feira, dia 1 de Agosto, as acções do BES foram suspensas à cotação uma hora antes do fecho do mercado, após uma queda de 50%. O BdP procurava ganhar tempo para encontrar a solução que melhor defendesse os vários interesses em jogo e afinar durante o fim-de-semana o cenário que seria adoptado. Se nada fosse feito o banco reabriria segunda-feira insolvente, desde logo porque o BCE não voltaria a emprestar fundos ao grupo.

E foi isto que Carlos Costa foi também contar aos deputados na passada quinta-feira: “Tenho consciência de que estivemos em cima do fio da navalha e que saímos bem desta situação.” “O BES tinha e tem grande importância do ponto de vista do sistema financeiro português e estivemos na iminência de incidente sistémico, que abrangeria todos os bancos do sistema.” Ou seja: a falência em cascata dos restantes bancos. O mesmo disse Mario Draghi, governador do Banco Central Europeu, na conferência de imprensa mensal: “O que posso dizer é que as autoridades agiram rapidamente e de forma eficaz”.

Mas os termos gerais do “plano” apenas seriam definidos no sábado à noite e os detalhes finais articulados minuto ao minuto durante o domingo, 3 de Agosto. E a comunicação de que o resgate ao BES estava em curso chegou às 22h. O banco reabriu na segunda-feira seguinte, só com a parte “boa” e com outra designação (ainda que transitória). Para o Novo Banco transitaram os depósitos e os créditos normais ou recuperáveis, assim como os trabalhadores e as agências. O “lixo” ficou concentrado no BES, onde também permanecem os accionistas e subscritores de dívida subordinada.

Dentro do sector há quem admita que o BdP teria preferido que o resgate do BES fosse mais directo e não envolvesse o resto do sector, o que exigiria o recurso ao fundo de recapitalização da troika, num aumento de capital que desse entrada a um novo accionista: o Estado. O que trazia custos para os contribuintes e se iria reflectir no agravamento do défice público. Pedro Passos Coelho recusou a alternativa do BdP. E só assim se explica que na quinta-feira da semana passada, três dias antes da intervenção, o Governo continuasse a falar, através do seu porta-voz, Marques Guedes, “numa via para o BES essencialmente privada”.  O que, aliás, também fizeram, na véspera, Carlos Costa e o CEO do BES/Novo Banco, Vítor Bento.

Aos deputados Carlos Costa contou que na sexta-feira, dia 1, antes do almoço, “em reunião por teleconferência entre os membros do conselho de governadores [do Banco Central Europeu, BCE]” recebeu esta orientação: “Até segunda-feira tínhamos uma data limite até à qual tínhamos de ter uma solução e tínhamos de ser nós a encontrar a solução.” No sábado, dia 2 de Agosto, Bruxelas enviou a Lisboa técnicos da Direcção Geral da Concorrência Europeia para dar apoio às autoridades nacionais.

Reguladores de costas voltadas
A semana que agora termina ficou também marcada por um braço de ferro entre Carlos Costa e Carlos Tavares, presidente da CMVM, organismo que regula o mercado de capitais. Carlos Tavares garante que apenas foi informado no sábado depois das 22h sobre o que se iria passar no BES. Aliás, o que também terá acontecido com os restantes bancos do sector chamados a resgatar o seu concorrente através de uma injecção de 4900 milhões no Novo Banco via Fundo de Resolução bancária – o Estado empresta ao sector, através da linha da troika, 3900 milhões, e os bancos com a parte restante (em garantia o Fundo recebe o Novo Banco).

No Parlamento, o governador assegurou que a decisão de “salvar” o BES só foi tomada na sexta-feira, 1 de Agosto, e que a CMVM esteve sempre informada. Carlos Costa recusou assim a tese de que permitiu operações em bolsa quando já tinha em seu poder a informação do resgate e que os accionistas (nomeadamente os pequenos) iriam ficar sem o que aplicaram. O BdP é acusado de ter passado mensagens erradas ao mercado (que o banco tinha uma almofada para acomodar perdas e que haveria privados a entrar no BES), o que criou a expectativa de que os accionistas não perdiam os investimentos.

Carlos Tavares voltou a reagir logo no dia seguinte à intervenção de Carlos Costa: “A CMVM determinou a suspensão da negociação, o que ocorreu logo após ter tido conhecimento de iminentes desenvolvimentos que vieram a ser conhecidos durante o fim-de-semana”. Os títulos ficaram suspensos depois das 15 horas de sexta-feira dado que “só por volta dessa hora teve conhecimento que haveria “desenvolvimentos” ainda que desconhecendo os termos concretos dos mesmos.” A CMVM reitera “igualmente que em momento anterior não foi informada sobre outras decisões tomadas relativas ao BES e que, tudo indica, influenciaram a formação dos preços”.

Este não é o único tema que hoje divide os reguladores, de costas voltadas a propósito do último aumento de capital do BES de 1140 milhões de euros. Um tema sensível pois o banco foi autorizado a colocar um “produto complexo” junto dos seus clientes de retalho. E agora nenhum dos reguladores aceita assumir responsabilidades.

Carlos Costa e Carlos Tavares refugiam-se na forma e ignoram a substância. O governador diz que apenas tem de avaliar se o banco necessita de reforçar o capital e definir as suas necessidades, enquanto o presidente da CMVM lembra que a sua obrigação é garantir que o prospecto de emissão está bem concebido.  Recorde-se que, apesar de no prospecto haver indicações de que o banco podia ter de mexer nas suas contas, ter sido potencialmente alvo de ilícitos e se admitir que a gestão de Ricardo Salgado pudesse ser mudada, a operação de mil milhões de euros, que decorreu entre Abril e Maio deste ano, foi autorizada.

Tal como o PÚBLICO já revelou anteriormente existem já acções judiciais a ser preparadas por accionistas do BES (que perderam os seus investimentos no banco) por lhes ter sido omitida informação certa, quer no aumento de capital, quer na semana que antecedeu o resgate. 

Sugerir correcção
Comentar