BCP quer repor salários e dividendos depois de pagar 700 milhões ao Estado

Aumento de capital vai acelerar normalização do banco. Nuno Amado pretende distribuir pelos accionistas um mínimo de 40% dos resultados que alcançar em 2018.

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Jose Sarmento Matos

O BCP já pagou à volta de mil milhões de euros em juros e comissões, pelo apoio público que recebeu em 2012, o que corresponde a quase 20% do seu capital após o reforço em curso para 5,6 mil milhões de euros. A operação arranca já para a semana e servirá para o fundo chinês Fosun aumentar a sua posição accionista para cerca de 30% e o BCP liquidar a última fatia de 700 milhões do empréstimo estatal.

Esta quinta-feira, ao início da noite, o BCP emitiu o prospecto de emissão do aumento de capital em 1,33 mil milhões euros, uma operação desencadeada num contexto delicado quando se discute o futuro do Novo Banco e há dúvidas sobre o desfecho da recapitalização do sistema financeiro italiano [onde o Estado italiano prevê injectar 20 mil milhões].

O reforço do capital, de 4,3 mil milhões de euros, para 5,6 mil milhões, arranca a 19 de Janeiro e termina a 2 de Fevereiro, através de uma oferta pública de subscrição de 14,17 mil milhões de novas acções, que se traduz em 94,79% das acções totais que terá no final da operação. O valor de emissão é de 0,094 euros por acção, com um desconto. 

Mas a operação vai possibilitar ao banco liderado por Nuno Amado aproveitar o encaixe para, finalmente, devolver ao Tesouro a última fatia de 700 milhões de euros do empréstimo obrigacionista de acções convertíveis (Coco’s) que chegou a totalizar três mil milhões. Desde que em 2012 contraiu o financiamento público, o banco pagou ao Tesouro de comissões e de juros (800 milhões) à volta de mil milhões de euros.

Com o pagamento da dívida ao Estado, o BCP liberta-se das limitações que daí resultam, e passa a dispor de condições para acelerar a normalização da sua actividade, sujeita aos actuais constrangimentos macroeconómicos e europeus.

E é o que evidencia na sua nota enviada ao mercado. Com a restituição dos 700 milhões de euros haverá “cancelamento das restrições-chave relacionadas com suporte do Estado, incluindo proibição de distribuição de dividendos, risco de venda potencial de negócios core [o Millennium Bank] e risco de conversão em participação accionista [a nacionalização].”

Em Dezembro, Nuno Amado já tinha restituído uma tranche de 50 milhões que se destinou a garantir que não teria de alienar os 50,1% que detém no polaco Millennium Bank. É isto mesmo que salienta no documento: “O Plano de Reestruturação previa ainda o compromisso de alienação condicional da participação financeira da operação na Polónia caso o montante de CoCos por reembolsar no final de 2016 excedesse os 700 milhões de euros, o que não se verificou tendo em conta o reembolso dos 50 milhões de CoCos a 30 de Dezembro de 2016.”

BCP vai repor salários e distribuir dividendos

Com a saída de baixo do chapéu público, o BCP já se comprometeu que vai começar a repor, a partir de 1 de Julho, os salários dos trabalhadores, sujeitos desde 2013 a cortes entre 3% e 11%. Não está ainda prevista a regularização dos ordenados da administração, iniciativa que depende da comissão de vencimentos. E voltará a ter possibilidade de “regresso ao pagamento de dividendos", que Amado alega ter o "objectivo para um pay-out ratio de pelo menos 40% em 2018, sujeito a requisitos regulamentares". O banqueiro pretende distribuir pelos accionistas um mínimo de 40% dos resultados que alcançar. 

Restaurar a base de capital da instituição é outra meta que o aumento de capital vai permitir, dado que o fundo chinês Fosun [dono da Fidelidade] vai assumir cerca de 30% do BCP. Desconhece-se ainda qual vai ser o caminho seguido pelo segundo maior accionista, a petrolífera Sonangol, também autorizada pelo BCE a chegar aos mesmos 30%.

Nuno Amado insiste no facto de ser necessário manter em Portugal um grande banco privado de base nacional, e estrutura accionista diversificada, e que não se transforme numa sucursal.

E com capacidade de gerar capital por via orgânica em termos domésticos e internacionais (Polónia, Angola e Moçambique). O banco propõe-se continuar a limpar a carteira de imparidades, a alienar activos (crédito, imóveis) e a cobrar as dívidas aos clientes incumpridores. Depois de, em 2013, a carteira de activos dispensáveis totalizar 13 mil milhões de euros, o valor está agora em nove mil milhões e a meta é que vá diminuindo ao ritmo de mil milhões por ano.

Em termos de indicadores, o rácio de transformação de crédito em depósitos já está nos 100% (recebe tanto de poupanças, como dá de crédito), o limite recomendado pelos supervisores, mas chegou a atingir os 170%.

“Banco mau” é um risco para o BCP

Para o BCP a possível criação de um “banco mau”, que o Governo e o BdP têm defendido, para receber os créditos em dificuldades, e que será de adesão voluntária, é considerado um risco: “A eventual criação de um bad bank em Portugal poderá traduzir-se em necessidades adicionais de capital para o banco”, isto porque “poderia implicar a transmissão de créditos a um preço abaixo do seu valor contabilístico, o que resultaria em menos-valias para o banco e, consequentemente, numa deterioração dos seus rácios de capital.”

Também o tema da Solvência II, que em 2016 entrou em vigor no sector dos seguros, onde o BCP tem posições, é igualmente classificado no prospecto como “um risco”: “As novas exigências regulatórias são expectáveis nos próximos anos, nomeadamente no que diz respeito à revisão dos requisitos de capital, a garantias de longo prazo e a ferramentas de supervisão macroprudenciais”, havendo “o risco de os efeitos destas medidas adoptadas, ou a serem adoptadas, poderem afectar negativamente a Millenniumbcp Ageas [a empresa através da qual o BCP posssui 49% da Ocidental Vida]. Os impactos tenderão a reflectir-se “na política de dividendos e/ou resultar num aumento de capital que poderá afectar adversamente a actividade do banco, na sua situação financeira e nos resultados das suas operações e nas suas perspectivas futuras.”

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