Atacar trabalho não declarado é defender o trabalho

Para defendermos o trabalho, terá de se combater, sem desfalecimentos, o trabalho não declarado.

Os números do desemprego estão na ordem do dia. A verdadeira dimensão do fenómeno tem consumido horas intensas em debates acalorados. Fala-se de desemprego disfarçado e de emprego fingido, feito à base de vínculos precários e de subsidiação enganosa.

Reviram-se as estatísticas, domadas à ótica do utilizador e comparam-se os resultados obtidos pelos diversos governos. É a dimensão mais partidária da abordagem ao assunto, que se irá acirrar e intensificar com o advento das eleições.

Para lá das polémicas que são fruta própria da época eleitoral, erigidas sobre culpas e culpados há um aspeto crucial que merece consenso absoluto: a essencialidade do emprego. O setor da segurança privada assegura, aproximadamente, 38 mil postos de trabalho. As duas maiores empresas que nele operam, têm, conjuntamente, ao seu serviço, cerca de 11 mil trabalhadores. Estão, assim, entre os empregadores com dimensão muito acima da média. As dez maiores destas entidades, por seu turno, empregarão cerca de 27.500 trabalhadores. Estes números constam do mais recente relatório do Conselho de Segurança Privada e que é relativo ao ano de 2014.

O setor da segurança privada soube granjear notoriedade e prestígio junto das populações. Populações habituadas a verem os vigilantes desempenharem, de forma adequada, as suas funções. Seja nas portarias, seja nos aeroportos, seja nos espetáculos musicais ou desportivos, seja no transporte de valores, os cidadãos habituaram-se a conviver com esta atividade, que tem dado provas de merecer a confiança da comunidade. Isto apesar dos episódios de marginalidade que lhe surgem associados e que, por vezes, ameaçam manchar a reputação respetiva. Todos os casos de infração às leis terão de ser despistados, combatidos e julgados, no quadro das competências atribuídas às autoridades policiais e judiciárias.

Mas estas patologias não mancham, nem de perto, nem de longe, a reputação global do desempenho, a qual merece elevados índices de aprovação. Infelizmente, porém, o setor não vive em nada que se assemelhe a um mar de rosas. Atravessa mesmo uma zona de enorme turbulência, feita de enormes dificuldades e contrariedades, para as quais a nossa associação tem procurado alertar os poderes públicos, aos quais compete, precisamente, defender a qualidade do emprego. Não é exagero afirmar-se que, se as coisas continuarem a evoluir como até agora, os resultados poderão ser desastrosos. E não se pense que a expressão é excessiva. O mercado da segurança privada é assolado por um feixe convergente de fatores daninhos, que se podem tornar letais.

Vejamos alguns: o volume de negócios está em contração. Desde 2010 terá decaído cerca de 12,5%, o que está em linha com a contração do volume de emprego proporcionado, que, no período homólogo, perdeu 13,2%. As entidades públicas e privadas apenas rendem homenagem ao deus-preço. O que se concretiza na contratação de serviços, por valores que, a própria Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), nas suas contas, considera inferiores, aos que seriam necessários para assegurar o pagamento dos encargos mínimos com os trabalhadores utilizados. Daqui nasce o pior flagelo de todos, que consiste no alastrar do trabalho não declarado. Este sim, distorce a sã concorrência.

Há dias, o El Mundo publicava uma peça sobre o chamado rei da segurança. Trata-se de Miguel Angel Ramirez, presidente do Las Palmas e celebrado empresário do setor. De acordo com o noticiado, este empresário, à custa de preço imbatíveis, foi fazendo frente aos chamados grandes operadores. Terá agora deixado em herança dívidas de nove milhões ao fisco e 12 milhões à segurança social. Isto sem embargo de trabalhar para o Ministério da Defesa, com um contrato de 32 milhões, para o Metro de Madrid, com um contrato de 71 milhões e para a própria Segurança Social. As dívidas terão origem na forma escolhida (e ilegal) para remunerar o trabalho extraordinário prestado.

Os inspetores fiscais espanhóis reconhecem que grande parte do problema nascerá da persistência de uma contratação pública orientada, basilarmente, pelo critério do preço. Para defendermos o trabalho, terá de se combater, sem desfalecimentos, o trabalho não declarado. Para isso temos vindo a propor a criação de equipas mistas de inspeção, compostas pela Autoridade Tributária, a segurança social a ACT e a PSP. Esperemos que a ideia possa, finalmente, ser acolhida e os resultados apareçam. A raiz do mal não carece de ser estudada em grupos de trabalho. Precisa de ser erradicada em ações eficazes.

Presidente da Associação de Empresas de Segurança e advogado

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