Associação europeia de operadores online contesta proposta da maioria para lei do jogo

EGBA diz que deisão de atribuir exploração e supervisao das apostas desportivas virtuais sob controlo da Santa Casa Misericórdia de Lisboa não vai travar mercado ilegal.

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As apostas hípicas também vão ser alvo de nova legislação Ian Hodgson/REUTERS

A associação europeia de operadores online contesta a proposta feita pelos partidos da maioria para legislar o jogo virtual. A decisão de dar à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) a exploração e fiscalização das apostas desportivas “restringe a liberdade” e não vai travar a procura pelo mercado ilegal, considera a EGBA, acrescentando que Bruxelas não vai deixar passar regulamentação que não respeite as regras comunitárias.

A reacção da European Gaming and Betting Association (EGBA) surge depois de o PSD e o CDS terem proposto uma alteração ao Orçamento do Estado (OE) para 2014, que já contemplava um artigo em que o executivo de Passos Coelho se propunha a legislar a matéria – uma promessa que tem sido transversal a sucessivos governos, desde há uma década. De entre as novidades que constam na proposta da maioria, encontra-se o facto de se pretender atribuir à Santa Casa a “organização, exploração e supervisão” das apostas desportivas à cota (em que se pode apostar, por exemplo, no número de golos marcados).

Maarten Haijer, secretário-geral da associação, afirmou ao PÚBLICO que este modelo não se enquadra nas directivas europeia, considerando que não será vantajoso. “A opção por um monopólio hoje já não corresponde à realidade do mercado. Nem tão pouco irá diminuir a taxa de adição ou canalizar os consumidores para o mercado regulado, mas sim para o mercado negro”, disse. A EGBA defende que “um monopólio restringe a liberdade das empresas na prestação de serviços e a liberdade dos consumidores no acesso a esses serviços da pior maneira possível”.

A proposta entregue pelo PSD e pelo CDS na passada sexta-feira refere ainda que a SCML, que ainda hoje mantém o exclusivo do jogo online existente, será responsável pelo “controlo e sanção das infracções” relativas às apostas desportivas à cota, “incluindo a aplicação de medidas preventivas e cautelares”.

A associação europeia entende que “a experiência de outros Estados-membros da União Europeia (EU) mostra que colocar estas responsabilidades nas mãos da entidade que é, em simultâneo, operador e fiscalizador simplesmente não funciona”

Ainda na quarta-feira, Bruxelas anunciou que notificou um conjunto de países europeus, na sequência de um aviso feito, em Outubro de 2012, em que alertou que iria aumentar o controlo sobre os Estados-membros que estão a incumprir com as directivas europeias nesta matéria. O PÚBLICO sabe que a Comissão Europeia também tem mantido contactos regulares com Portugal, no sentido de assegurar que a regulamentação do jogo online vai ser implementada, e de acordo com as regras comunitárias. Para Maarten Haijer, “está nas mãos de Portugal provar que estas restrições são necessárias e adequadas”, tendo em conta que “o Tribunal de Justiça da UE estabeleceu requisitos rígidos para a existência de monopólios”.

Tendo em conta que o OE para 2014 só irá a votação final a 26 de Novembro, a EGBA respondeu que “não irá especular sobre a direcção que será seguida” pelo Governo. No entanto, Marteen Haijer deixou um aviso: “legislar em função da regulamentação da UE é uma garantia de que a lei poderá ser adoptada rapidamente, salvaguardando o interesse dos consumidores e do Estado, e sem a necessidade de fazer reajustes vezes sem conta, como foi o caso em muitos Estados-membros”.

Na proposta da maioria refere-se apenas, ao nível da tributação do jogo online, que, “quando aplicável”, se irá fixar “a base de incidência do imposto especial de jogo para entre 15% e 20% da receita bruta”. A EGBA considera que este patamar “não é fora do normal quando comparado com os modelos de taxação adoptados noutros Estados-membros”. No entanto, alerta que houve alguns países, como Espanha, que acrescentaram a esta contribuição “impostos adicionais e IVA sobre a taxa de jogo”, o que fez com que os valores a pagar se tornassem “demasiado elevados”.

No que diz respeito à SCML, e segundo informações recolhidas pelo PÚBLICO, a tributação da exploração das apostas desportivas à cota na Internet (em que se pode apostar, por exemplo, no número de golos marcados) será efectuada através do imposto do selo, tal como sucede com os outros jogos geridos por esta entidade. Também a distribuição dos lucros será idêntica.

A proposta de lei do jogo online prevê ainda a exploração de apostas de cavalos. Aqui, caberá ao Turismo de Portugal regular, controlar e fiscalizar, com poderes de sanção. Este organismo ficará encarregue de "aprovar os regulamentos necessários à exploração e prática de jogos e apostas hípicas", bem como representar o Estado "na execução dos contratos que vierem a ser celebrados".

Este organismo é o que vai beneficiar mais com o imposto especial, que será repartido entre o Turismo de Portugal (77% do montante global, consignado como receitas próprias) e o Estado (que fica com 20% através do Tesouro). Outros 2,5% da receita vão para a Cultura e mais 0,5% para "as entidades responsáveis pelo combate à dependência do jogo". 

A EGBA lamenta o facto de a regulamentação das apostas virtuais ter sido adiada, ano após ano. Foi ainda em 2003, durante o Governo de Durão Barroso, que o tema entrou na agenda, tendo inclusivamente sido criado um grupo de trabalho para estudar esta matéria. “Já passou algum tempo desde que Portugal mostrou interesse” em avançar, mas “sinais recentes levam a crer que acontecerá no próximo ano”, afirmou o secretário-geral da EGBA, referindo-se não só ao OE e à proposta de alteração da maioria, mas também às declarações recentes de Paulo Portas.

Na conferência de imprensa sobre a oitava e nova avaliações do programa de ajustamento, o vice-primeiro-ministro afirmou que o jogo online fazia parte do rol de “pequenas medidas” a concretizar em 2014. Tal como o PÚBLICO noticiou, o Governo avançou este ano com um novo grupo de trabalho para regulamentar as apostas virtuais, que foi deixado em segredo, tendo ouvido pela primeira vez os operadores online.

Foi já o segundo comité criado pelo executivo de Passos Coelho, que em 2012 teve nas mãos o relatório de um primeiro grupo de trabalho que apontava três caminhos para a regulamentação: abrir completamente o mercado a novos operadores, liberalizar parcialmente a actividade ou manter o negócio fechado, como acontece hoje, continuando a atribuir o monopólio à Santa Casa.

Além dos operadores online e da Santa Casa, os casinos também são parte muito interessada nesta processo, já que há muito reclamam que as concessões que detêm para o chamado jogo físico sejam alargadas às apostas virtuais. A queda de receitas a que têm assistido nos últimos anos tem levado o sector a pressionar o Governo.

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