As vendas de carros como indicador económico

De acordo com um estudo publicado estes dias, o mercado dos carros novos na Europa continuou a cair em Outubro, embora a uma taxa mais baixa do que nos meses anteriores. Desde o início do ano, o decréscimo nas vendas é de 7,2% e em relação a Outubro de 2011 é 4,6%. Uns dirão que é normal, que traduz a recessão ou a falta de crescimento da economia, outros esfregam as mãos pelo desconto adicional na compra do carro novo, uns culpam os Governos e falam na ameaça dos empregos no sector, outros falam nos financiamentos que permitiram um consumo exagerado, uns dizem que tudo começou com o problema do sub-prime, outros das políticas recessivas e seu efeito no consumo. Todos terão a sua razão, mas não vou falar destes. Para mim, interessante é a disparidade dos valores em diferentes partes da Europa, é ver as estratégias de sucesso nesta conjuntura e as oportunidades que alguns souberam daí retirar. É que, de facto, o que estes números mostram é a grande diferença entre os que fazem e os que se lamentam.

A análise da evolução de indicadores económicos é de extrema importância. Estou a falar não só das vendas de carros como, por exemplo, das vendas no sector do retalho, da produção industrial, do índice de preços do consumidor, do nível de desemprego ou das encomendas de bens de investimento. Jornalistas, investigadores, políticos, economistas, gestores, empresários, investidores e outros analisam e utilizam estes indicadores com diferentes perspectivas e variados propósitos. Servem, de facto, para nos dar uma fotografia da situação económica, mas, muito mais importante, servem para nos ajudar a estimar os cenários futuros mais prováveis. É que ninguém sabe o futuro, tirando talvez as bruxas, mas aqueles com maior sucesso são os que fazem um trabalho constante na sua previsão.

Voltemos aos números: a média de retracção do mercado, em 2012, foi de 7,2%, mas Portugal e a Grécia atingem cerca de 40%. Nós bem queremos mostrar que somos muito diferentes daquela gente, mas muitas vezes temo que seja só por seis meses. Preocupante também é que a Espanha reduziu 13,8%, a França reduziu 13,3% e a Itália 20%, o que, para os portugueses, só pode ser bom; é que a estes países, quando precisarem de ajuda externa, não lhes vai chegar uns trocos, vai ser preciso produzir muitos euros, uma solução, aliás, já apontada implicitamente em muitos dos discursos deste partido que se reuniu em congresso este fim-de-semana. Eu acho que eles têm muita razão, só não concordo com os devaneios de quem acha que o devemos fazer sozinhos. Pareceu-me até uma queixa do tipo “é que estão a roubar mas o ladrão não sou eu”. Azar!

Olhando agora para os que contrariaram esta tendência. A Suíça, esse país de tradição na indústria bancária, subiu 4,3%. Claro que não terá nada a ver com isso, primeiro porque essa indústria já não é o que era e muito fundamentalmente porque aquele povo nunca deixou que os bancos entrassem nos exageros dos financiamentos ao consumo. Depois há alguns países, como a Polónia, a República Checa, a Estónia, a Letónia e a República Eslovaca, cujos mercados subiram alguma coisa, mas estes não nos servem muito de exemplo, porque crescer quando a base é pequena é muito mais representativo da miséria que eram do que do progresso que agora vão conseguindo. Há um país que destaco, o Reino Unido, que cresceu 5%, e acho curioso este país que também não é exemplo para nós. É que há uma coisa que muitas vezes esquecemos: o que funciona num país nem sempre pode ser replicado noutro com o mesmo sucesso, por muitas razões, mas em especial por uma, pela diferença de cultura, essa coisa que nos distingue e que só muda em cada 200 anos. As contas públicas do Reino Unido são uma miséria, assim como as nossas, mais coisa menos coisa, mas são mestres na utilização da política monetária como motor da economia. Nenhum país lhes chega aos calcanhares nesse aspecto. Portugal, por exemplo, e não é de agora, foi desde o tempo do Salazar até entrarmos para o euro, nunca soube usar esse instrumento a não ser para desvalorizar mais ou menos de forma sistemática o que alguns já chamam o saudoso escudo. O Reino Unido, não, parece um relógio a fazer essas coisas: desvaloriza a moeda, cresce a economia, deixa valorizar outra vez a libra e volta a fazê-lo vezes sem conta, com um sucesso tremendo.

Deixei para último a Alemanha, que quase manteve as vendas: este ano decresce 1,6%, mas em relação ao mês homólogo já subiu 0,5%. A maior economia da Europa, com a indústria automóvel mais forte do mundo, quase não cresceu, mas é um exemplo de um país equilibrado, com uma economia com alguns problemas, mas forte, sustentada, que lhes permite, infelizmente, ir decidindo ou forçando que os outros façam como lhes convém. Não gosto nada da Alemanha, país meio cinzento, de gente muito certinha e de ar pouco feliz, estilo militarizado assumido nas suas organizações, bons em tudo, credo, que seca. Mas analisar aquele percurso desde o pós-guerra deve ser o sonho de qualquer político. Há um aspecto que me parece o mais importante neste sucesso, a independência e os objetivos do Banco Central Alemão, cujos princípios acabaram por ser quase inteiramente copiados na criação do Banco Central Europeu. Reparem que o marco, desde a segunda metade da década de 40 até à introdução do euro em 1999, só se valorizou em relação ao dólar. Aquilo que todos os países faziam, nomeadamente Portugal, de desvalorizar a moeda para conseguir aumentar as exportações, nunca se fez nesta Alemanha e por muitos desafios que esta situação tenha criado na industria alemã vemos o caso das empresas como a Mercedes, a BMW ou o grupo Volkswagen a saber orientar as suas estratégias neste contexto, de forma a conseguirem, quase sempre, crescer e continuar a gerar valor. Ainda o ano passado, no ambiente de crise que se viveu, estas empresas alcançaram resultados históricos. Isto é incontestável, e reparem, não foi o Estado que fez, esse faz coisas bem piores, como vemos, por exemplo, na Renaut francesa, a marca que mais decresceu este ano.

Temos, em resumo, que as vendas de carros exprimem bem a evolução da economia, com a vantagem de se conhecerem os números em tempo útil. Confirmam-se as debilidades económicas mais faladas e aquelas que ainda estão em curso. Vemos os que perdem no meio disto e aqueles que geram valor. Aprendemos que a solução não virá dos políticos nem das empresas públicas, a esses cabe outro papel, mas sim das empresas privadas. É fácil reclamarmos o que não nos dão, até parece lícito quando já estávamos habituados, mas o caminho não será esse, somos nós que temos que gerar valor e aos políticos exigir que o gastem com cabeça.

Sugerir correcção
Comentar