As lojas online serão cada vez mais iguais às lojas físicas

Grandes cadeias de vestuário estão a usar a Internet para chamar mais clientes e o que querem é replicar a experiência de compra tradicional

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A Zara está online em Portugal desde 2010 Adriano Miranda

As notícias sobre a morte do comércio físico, provocada pelo advento da Internet, foram manifestamente exageradas. A rede é um dado adquirido, as vendas online somam cada vez mais utilizadores e receitas, mas não é por isso que a sobrevivência das grandes cadeias está em risco, nomeadamente, na área da moda e vestuário. Quem não está online, está prestes a chegar, como é o caso da H&M que abre este ano a sua loja virtual para o mercado português. A C&A tem o assunto em cima da mesa e a Zippy deu o passo em frente e prepara-se para seguir para Espanha com o comércio electrónico dos seus produtos. No tablet ou na rua, o negócio complementa-se. Não se canibaliza.

“Estamos na era do going digital”, diz Ana Isabel Trigo de Morais, directora-geral da Associação Portuguesa das Empresas de Distribuição (APED), mostrando os mais recentes números compilados pelo Eurocommerce, a organização europeia do sector do comércio. O e-commerce rende 350 mil milhões de euros por ano e na União Europeia um em cada dois consumidores faz compras online. “Em Portugal também estamos a acompanhar a tendência e no digital, o preço, a conveniência e a adaptação às necessidades do consumidor estão a evidenciar-se cada vez mais”, sublinha.

À primeira vista, a lógica de negócio parece ser diferente. Mas David Bernardo, professor na escola de gestão da Universidade Nova de Lisboa e especialista em marketing digital, explica que na prática o grande objectivo de um negócio online é conseguir replicar a loja física, em todas as suas dimensões. “Atingir um nível de, por exemplo, recriar a sensação do toque no produto ou conseguir fazer entregas ao momento. Começamos já a ver vídeos, melhores fotos e descrições online”, exemplifica.

Entregas no mesmo dia
Em 2013, a Zara introduziu serviços de ligação directa ao cliente (o chamado click to call), passou a oferecer entregas no mesmo dia nas encomendas virtuais em alguns países e melhorou as embalagens. Está online em Portugal desde 2010 e encara o negócio como mais um local onde pode vender os seus produtos, uma verdadeira extensão das lojas, também transformadas em locais de entrega de roupa aos clientes virtuais, livrando assim o consumidor dos custos de envio e facilitando as devoluções. É assim que potencia mais uma oportunidade de venda.

Depois de 11 anos de presença física no mercado nacional, a H&M avança agora, embora ainda sem data marcada, com o seu site de vendas. “Portugal é um mercado importante para a H&M, com uma excelente evolução”, sublinha fonte da empresa, acrescentando que a loja online “irá seguramente reforçar a presença da H&M em Portugal”. Além do mercado nacional, a empresa vai também inaugurar o seu site em mais sete países europeus, como Bélgica e Polónia.

A C&A também tem planos para abrir o canal virtual em Portugal, juntando o país a uma lista de nove geografias onde comercializa através da Internet. Domingos Esteves, director de vendas para a Península Ibérica, diz que o assunto está a ser estudado, mas “ainda não há datas definidas”. Questionado sobre os motivos da empresa não estar já a vender através da rede, Domingos Esteves diz que “numa primeira fase, a estratégia de implementação teve início noutros países”. “Chegará a Portugal quando estivemos em condições e uma estrutura preparada para proporcionar um bom serviço e experiência aos nossos clientes”, sustenta.

Quem não quer vender na Internet é a Primark. Fonte oficial da empresa diz mesmo que não há “planos para um site transaccional”. A página disponível serve para apresentar os produtos e a estratégia é “expandir o número de lojas que tem na Europa”. “Este é o foco face a despoletar vendas online”, sustenta.

Três milhões de euros gastos
Contudo, a importância do comércio digital é inegável. Os portugueses gastaram três mil milhões de euros na Internet este ano, o maior valor de sempre. De acordo com um estudo recente da SIBS, dona do Multibanco, a maioria das compras é feita em sites de viagens de avião e hotéis. Segue-se a roupa e o vestuário, os livros, jogos e entretenimento, os artigos para o lar e os de saúde e beleza. Ainda assim, comparado com outros países, Portugal é dos que tem um valor médio anual de gastos mais reduzido: 600 euros por família em comparação com o Reino Unido, que lidera nos hábitos de compra online (3000 euros).

Nuno Netto, da consultora Deloitte, acredita que “qualquer retalhista ou empresa de consumo tem de estar onde o consumidor está”. “À partida todos deveriam estar na Internet, não é algo particular dos pequenos, médios ou grandes”, defende. Há quem compre online depois de consultar um site e quem concretize a compra no conforto do lar para ter acesso, por exemplo, a uma gama maior de produtos.

Depois de ter estabelecido uma rede de 38 lojas, a Zippy deu “o passo natural” e criou a sua primeira loja virtual que, na primeira semana de funcionamento, teve 2500 utilizadores registados. A expressão de Miguel Osório, administrador da marca de vestuário infantil da Sonae (grupo que detém o PÚBLICO) ilustra bem a forma como hoje os grandes retalhistas encaram o mundo virtual: é uma extensão do negócio. “Este lançamento permite-nos apostar em definitivo numa estratégia omnicanal, que promove um modelo de convergência e complementaridade entre o canal digital e as diversas lojas físicas Zippy”, explica.

Por enquanto, as entregas só estão disponíveis em Portugal, mas “a loja online em Espanha encontra-se em fase de pré-lançamento”, adianta. Miguel Osório acredita que a médio prazo, o comércio electrónico “terá uma representatividade considerável” no negócio. Mas isso não significa o fim das lojas físicas. “O nosso objectivo é que os clientes possam visitar uma loja nossa quando quiserem, da forma que lhes for mais conveniente e confortável. (…) A nossa loja online é mais uma loja da Zippy, com especificidades próprias, mas completamente integrada da nossa actuação diária”, destaca.

A tal “estratégia omnicanal”, termo que se popularizou nos últimos tempos, implica estar em todos os formatos de venda da mesma forma. Numa loja ou numa aplicação para smartphone, “o cliente tem de ter a mesma experiência”, diz David Bernardo. O professor da Universidade Nova, que também é sócio da consultora LITS ebusiness, acredita que a Internet não vai matar o comércio físico, mas “haverá uma deslocação grande de compras para o online”.

Outra questão, e não menos importante, é o conhecimento cada vez maior que os retalhistas têm dos seus clientes. Graças ao rasto que Internet permite, as empresas conseguem traçar perfis apurados, saber quem é, de onde vem e para onde vai a pessoa que acabou de finalizar a compra. “Hoje quero saber o que o cliente fez antes de ir à minha loja, o que fez depois, como é que chegou até mim”, exemplifica David Bernardo.

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