As eleições presidenciais brasileiras e o crescimento económico

Sabendo-se da importância do crescimento econômico para a melhoria do bem estar das populações, a atual falta de expansão compromete as perspectivas do País.

Para onde vai o Brasil? Para pergunta ampla, resposta idem: o Brasil vai para onde quiserem seu povo, suas instituições — aí incluído, com destaque, seu governo — e as limitações do cenário internacional. Mas essa resposta é muito vaga. É possível adicionar conteúdo se abordarmos uma única área: a econômica. Só assim será possível avançar para responder à difícil pergunta em epígrafe. Senão, vejamos.

Vários analistas têm identificado no atual momento econômico vivido pelo Brasil os traços de uma armadilha de lento crescimento. Sabendo-se da importância do crescimento econômico para a melhoria do bem estar das populações, a atual falta de expansão compromete as perspectivas do País.

Mas, o que se entende por armadilha de lento crescimento? Ao pé da letra, e em nosso caso, uma época em que a economia cresce pouco, não responde a diversos incentivos que lhe tem sido oferecidos, e onde predomina a incerteza entre os agentes econômicos. O que, por sua vez, contamina a confiança empresarial e as expectativas. Logo, o investimento produtivo também se retrai, sobrando para o consumo o trabalho de sustentar o nível de atividade econômica. O que, é forçoso reconhecer, ele não vem mais conseguindo fazer na mesma medida de até bem pouco tempo atrás. Como a economia cresce pouco, a produtividade, que é principal fonte do crescimento no longo prazo, também não cresce. Sem investimento e sem produtividade, não há como crescer.

Como é impossível especular sobre o futuro sem entender minimamente o passado, nossa narrativa prossegue com uma breve resenha: para entender para onde vamos, ou podemos ir, é importante saber de onde viemos, e como aqui chegamos.

Um ponto de partida é o ano de 2003, quando se abriu para o Brasil uma janela de oportunidade excepcional. Coincidindo com o, e sendo em boa medida motivado pelo ganho de peso internacional da China e outros países asiáticos no comércio, os preços de commodities exportadas iniciaram uma sequência de altas como há muito não se via. Um mesmo volume de exportações permitia volumes crescentes de importações, pois estas não experimentavam a mesma alta de preços.

Ao mesmo tempo, esse processo resultou em uma valorização da taxa de câmbio que se prolongou por vários anos. Na verdade, até o presente. A taxa cambial valorizada aumenta a renda real e a sensação de bem estar, especialmente se os salários crescem. E isso foi exatamente o que ocorreu em todos esses anos: os salários reais cresceram aceleradamente e o câmbio se valorizou. O lado negativo é que a competitividade externa caiu. Mas, como os preços das exportações estavam em alta, os resultados das contas externas continuaram favoráveis por algum tempo. Com o consumo e o investimento crescendo de forma acelerada, a economia brasileira desfrutou de um período de prosperidade como há muito não se via.

Mas em 2008 eclodiu a crise do subprime e começou a grande recessão mundial, tendo o Brasil experimentado uma forte, mas curta recessão no final daquele ano. A resposta da política econômica, no entanto, foi a de dobrar a aposta e reforçar mecanismos que haviam permitido a expansão anterior: o crédito continuou a crescer a taxas elevadas, agora tendo como fonte principalmente os bancos públicos, tanto comerciais como de desenvolvimento; e o salário mínimo continuou a experimentar aumentos elevados. O desemprego continuou em baixa, fenômeno que vem até ao presente. Isso, apesar do lentíssimo crescimento do PIB no quadriênio da Presidente Dilma (2011-2014), de menos de 2% ao ano.

A redução das desigualdades sociais e melhoria na distribuição de renda é um traço notável dos últimos 20 anos, impulsionadas em parte pelos ganhos salariais, em parte pelas transferências governamentais — aí incluídas com destaque, mas não unicamente, as dos programas sociais como o Bolsa Família. Ao mesmo tempo, aumentos do salário mínimo bem acima da inflação transmitiram-se a boa parte da estrutura salarial da economia e foram responsáveis pelo florescimento de uma nova classe média, com hábitos de consumo que se aproximam dos padrões das classes mais ricas da sociedade, fenômeno esse fermentado pela expansão do crédito ao consumo.

Os anos pós-2008 assistiram outra mudança, com consequências ainda não foram devidamente avaliadas. A retração cíclica do setor privado na crise fez com que gradualmente aumentasse no interior do governo um viés pró Estado, uma crença de que este teria poder para tudo resolver e que seria capaz de fornecer os estímulos de que a economia necessitava para crescer. Uma consequência natural foi o aumento da interferência do Estado no domínio econômico.

Em linha com essa forma de pensar, os bancos oficiais tiveram seus cofres reforçados com recursos do Tesouro, aumentando o volume de crédito na economia; incentivos setoriais foram implantados via isenção de tributos, cobrindo uma gama cada vez maior de setores; os gastos públicos continuaram a aumentar a taxas elevadas como elemento auxiliar de sustentação do consumo, prejudicando os superávits primários necessários para manter a dívida pública sob controle; as tão necessárias concessões de infraestrutura não aconteceram na magnitude necessária porque o governo não aceitava as condições pedidas pelo setor privado, representando o viés anti-mercado prevalecente; diversas empresas estatais tiveram suas receitas, presentes e futuras, usadas para gerar caixa para o Tesouro; os juros básicos da economia foram reduzidos, acompanhando o que acontecia mundo afora, na expectativa de que houvesse redução da inflação — o que afinal não se concretizou, porque a demanda por consumo continuou a crescer.

A colheita das medidas desde então adotadas foi magra. Em particular: a inflação voltou a aumentar com o aumento do consumo e pressão dos salários; as inúmeras medidas de política econômica adotadas nos últimos anos, por vezes contraditórias, contribuíram para gerar incerteza entre os agentes econômicos; a poupança doméstica caiu fortemente, comprometendo o investimento produtivo e o crescimento futuro; as contas públicas foram alvo de medidas de equilíbrio de caráter duvidoso, implicando perda de credibilidade da política fiscal. Daí resultou a situação atual: uma trajetória de lento crescimento. Como sair dela?

A resposta pode estar nas possíveis mudanças de rota da política econômica depois das eleições de outubro próximo. As alternativas aqui são várias, mas todas contemplam um 2015 difícil na área econômica. Examinemos duas possibilidades.

Se a Presidente Dilma for reeleita, é difícil imaginar que haverá mudança de alguma expressão na condução da política econômica. Mais provavelmente, a aposta no novo mandato presidencial será a de “mais do mesmo”, na esperança de que mudanças no cenário internacional forneçam estímulos à demanda. A ausência de reformas implicará conviver com uma inflação mais elevada, maior carga tributária e desemprego um pouco mais alto do que atualmente. Não chega a ser um cenário catastrófico. Mas não gera crescimento.

Caso vença a oposição, as esperanças se voltam para os efeitos positivos que um choque de expectativas teria sobre as decisões de investimento, capaz de despertar os animal spirits empresariais. Os investimentos em novas concessões nas áreas de infraestrutura e mobilidade urbana são os candidatos naturais para deslanchar o investimento privado, pois esses investimentos elevam a produtividade do setor privado. Removido o viés anti mercado atualmente dominante, restaria à política econômica o papel de reordenar as expectativas e, principalmente, lidar com a resistente inflação em curso. Isso exigirá uma política fiscal mais dura para auxiliar a política monetária.

Um ajuste desse tipo não geraria crescimento a curto prazo, mas lançaria as bases para um ciclo mais virtuoso a médio e longo prazos quando, com o fim do bônus demográfico e os consequentes aumentos cada vez menores da força de trabalho, o crescimento passará a depender cada vez mais dos ganhos de produtividade. Que só virão com o crescimento.

Investigador do IBRE - Instituto Brasileiro de Economia da FGV - Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro

Sugerir correcção
Comentar