As dificuldades de Draghi para imitar a Fed e o Banco de Inglaterra

Nos EUA e no Reino Unido, os programas de compra de dívida fizeram cair o desemprego e acelerar a economia. Mas as circunstâncias eram bem diferentes das da zona euro.

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Mario Draghi e Janet Yellen, dois ritmos no combate à deflação REUTERS/David Stubbs

A forma como tanto os EUA como o Reino Unido saíram dos seus programas de compra de dívida pública com as economias a crescer mais e o desemprego perto dos níveis anteriores à crise é uma das grandes esperanças na zona euro, agora que o BCE decidiu imitar aquilo que foi feito pela Reserva Federal e pelo Banco de Inglaterra. No entanto, há vários motivos para pensar que o sucesso pode ser mais difícil de atingir para a entidade liderada por Mario Draghi.

A experiência da Fed e do Banco de Inglaterra começou a ser feita há cerca de seis anos. Nos Estados Unidos, foi em Novembro de 2008 que o primeiro programa de compra de dívida pública foi lançado. Seguiram-se, durante cinco anos, mais dois programas, que mais do que quintuplicaram a dimensão do balanço da entidade liderada primeiro por Bern Bernanke e depois por Janet Yellen. Nesse período, a taxa de desemprego caiu de quase 10% para pouco mais do que 5% e o ritmo de crescimento económico acelerou, prevendo-se uma variação do PIB nos EUA de 3,6% em 2015.

No Reino Unido, a compra de dívida pelo banco central teve início em Março de 2009. A taxa de desemprego atingiu mais cedo do que se supunha os objectivos e a economia deverá crescer 2,7% este ano, depois de 2,6% no ano passado.

Estes resultados foram conseguidos sem que se registasse para já uma aceleração perigosa da inflação. Pelo contrário, este indicador voltou a cair para valores abaixo de 1% devido ao efeito da descida dos preços do petróleo.

Se é verdade que muitos acusam a intervenção dos bancos centrais ter contribuído para aumentar a desigualdade de rendimentos, beneficiando mais os bancos do que as pessoas, poucos negam que as metas dos dois bancos centrais – evitar a deflação e reduzir o desemprego) foram atingidas.

Imitar este desempenho será algo que Mario Draghi deseja para o seu próprio programa de compra de dívida. O problema para o BCE é que há muitas diferenças de características e circunstâncias da economia entre a zona euro e os EUA e o Reino Unido.

Uma das mais importantes é o momento em que o BCE decidiu actuar. Um dos efeitos benignos de uma compra de dívida dos bancos centrais é induzir uma descida das taxas de juro nas obrigações, que se reflecte depois em toda a economia. Mas actualmente na zona euro, as taxas de juro já estão a níveis mínimos históricos com pouco espaço de manobra para descer mais. As taxas de juro da dívida a 10 anos estão próximas dos 0,35% na Alemanha, 1,5% na Itália e 2,2% em Portugal. Nos EUA e no Reino Unido, quando as autoridades monetárias começaram a actuar, os títulos do tesouro andavam próximas dos 3%.

Depois há o facto de o BCE ser o banco central de vários países diferentes, enquanto a Fed e o Banco de Inglaterra respondem apenas a um. Isto conduziu a que Mario Draghi e os seus pares tivessem avançado para um programa em que as compras de dívida têm de ser repartidas pelos diversos Estados da zona euro, de acordo com a sua quota no capital do BCE. É um esquema que pode ser menos eficaz, já que, por exemplo, cerca de um quarto das compras a efectuar terão de ser de títulos de dívida alemães, aqueles que já apresentam neste momento taxas de juro próximas de zero.

Outra diferença importante está na estrutura de financiamento das economias. Na zona euro, as empresas dependem muito mais dos bancos para obter os seus fundos do que nos EUA. As firmas norte-americanas usam bastante mais os mercados obrigacionistas para financiarem os seus investimentos e sentiram por isso de forma mais directa o efeito das compras de dívida realizadas pela Fed.

O impacto das medidas do BCE vai depender sempre da forma como os bancos vão passar à economia o aumento de liquidez que lhes será proporcionado pelo banco central. Foi por este motivo que o BCE optou primeiro por medidas como as dos empréstimos de longo prazo aos bancos, revelando sempre menos entusiasmo pela compra de dívidas para a qual agora se viu forçado a avançar.

Por último, tanto nos EUA como no Reino Unido, os respectivos bancos centrais contaram nos últimos seis anos com uma maior ajuda da política orçamental do que aquela que é neste momento prometida pelas lideranças europeias.

Sem estas ajudas e com as características da zona euro a jogarem contra o seu plano, o BCE enfrenta anos difíceis pela frente na sua batalha contra a deflação.

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