As chaves do debate difícil entre um governo PS e Bruxelas

A relação que conseguir ter com as autoridades europeias será importante para a forma como irá funcionar um eventual futuro governo PS. O potencial para o confronto parece à partida bastante elevado.

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Dominique Faget/AFP

Depois de negociar um acordo político com os partidos à sua esquerda, António Costa terá, caso venha a formar Governo, de se preparar para novas negociações – as que se irão seguir à apresentação, em Bruxelas, dos planos orçamentais e económicos de um futuro Executivo.

Olhando para a proposta de programa de Governo apresentado no passado fim de semana pelo PS, já com as modificações resultantes do acordo com o Bloco de Esquerda, PCP e Verdes, são várias as medidas que prometem criar atritos entre um eventual futuro Governo de esquerda e as autoridades europeias.

No seu programa, o PS mostra estar atento a esta questão. Por um lado, volta a garantir que todas as regras orçamentais europeias serão cumpridas, mas por outro fala da necessidade de, na Europa, se introduzirem mudanças na forma como essas regras são aplicadas, nomeadamente, “aproximando mais as recomendações específicas aos Estados-membros da realidade concreta de cada país”.

No entanto, tendo em conta o que têm sido as opiniões da Comissão Europeia sobre a condução da política económica e orçamental em Portugal nos últimos anos, e a forma como tem reagido nos últimos anos a derrapagens grandes e pequenas de outros países face às regras, não é difícil adivinhar que em diversos passos do processo orçamental europeu haverá divergências, começando pela avaliação da proposta de orçamento para 2016 e acabando na análise do programa de estabilidade do próximo ano. São vários os temas em que há potencial de confronto.

Aposta no crescimento

Uma das mudanças fundamentais que um governo de esquerda quererá introduzir na política orçamental é a intenção de reduzir o défice e a dívida mais por via do crescimento da economia. E, por isso, assume por exemplo que medidas como o aumento dos salários da função pública têm, para além de um efeito negativo directo na despesa, um efeito positivo indirecto na receita fiscal por causa do estímulo ao consumo que representam.

A Comissão Europeia não tem sido, tanto em Portugal como noutros países, muito sensível a este tipo de argumentos, defendendo em muitos casos que antecipar efeitos positivos indirectos desta natureza é “pouco credível”. Já quando olhou para o Programa de Estabilidade apresentado pelo governo português em Abril, Bruxelas dizia que as medidas apresentadas para os anos a seguir a 2016 “ainda não foram suficientemente especificadas e parecem ser insuficientes”, queixando-se igualmente de que as projecções para o défice estavam demasiado dependentes da evolução positiva da economia.

Reversão de medidas

No programa do PS, a reversão dos cortes salariais na função pública e da sobretaxa é feita de uma forma bastante mais rápida do que aquela que está prevista no Programa de Estabilidade português. A reacção das autoridades europeias a essa mudança não deverá ser positiva, já que mesmo em relação à proposta do anterior Governo manifestava preocupação pelo facto de as medidas serem revertidas “sem que sejam substituídas por outras medidas estruturais”

Salários e pensões

O acordo do PS com os partidos à sua esquerda tem como base a ideia de que haverá nesta legislatura uma recuperação dos valor dos salários da função pública e das pensões. Nos últimos quatro anos, a Comissão Europeia tem defendido repetidamente a necessidade de Portugal limitar de forma permanente esse tipo de despesa, argumentando que, pelo seu peso no total do orçamento, tal é indispensável para que se possa fazer uma consolidação.

Segurança Social

O programa do PS, com o desaparecimento da redução da Taxa Social Única, fica com poucos detalhes importantes em relação à sustentabilidade da Segurança Social. As propostas de diversificação das fontes de financiamento do sistema ficaram para ser discutidas posteriormente. Em Bruxelas, não só se insistiu para que se mantivesse uma estimativa de poupança de 600 milhões de euros nas pensões em 2016, como se criticou o facto de se terem registado “progressos limitados no desenvolvimento de novas medidas abrangentes como parte integrante da reforma das pensões em curso”.

Salário mínimo

O aumento do salário mínimo para 505 euros decidida pelo anterior Governo logo a seguir ao fim do programa da troika foi alvo de severas críticas por parte da Comissão Europeia em vários relatórios entretanto publicados. Bruxelas argumenta que é preciso que “o salário mínimo evolua de forma consistente com os objectivos de promover o emprego e a competitividade”. Se 505 euros já foi considerado muito, a subida progressiva até aos 600 euros agora proposta para a legislatura ainda será mais contestada.

Negociação colectiva

No mercado de trabalho, as autoridades europeias continuaram a insistir, mesmo depois do fim do programa da troika, que o Governo deveria ir mais longe, mostrando ainda descontentamento com as regras da negociação colectiva. O programa do PS vai, nesta área, no sentido inverso daquilo que Bruxelas pretende. E há outras questões, como por exemplo, o regresso à semana de 35 horas de trabalho na função pública que é proposta pelo PS.

Privatizações e concessões

As queixas da Comissão Europeia em relação à privatização e concessão no sector empresarial do Estado têm estado essencialmente ligadas ao facto de se registarem atrasos na sua implementação. Agora, se um governo PS tomar posse, vão passar a ter de se pronunciar em relação a uma travagem completa desses processos

Reformas estruturais

Em relação a outros países, como a França e a Itália, a moeda de troca aceite por Bruxelas para permitir um ritmo mais lento na consolidação orçamental tem sido a apresentação das chamadas reformas estruturais, a maior parte das quais destinada a aumentar a flexibilidade no mercado de trabalho e de produto. Uma das medidas pensadas pelo PS que poderia ser vista em Bruxelas como reforma estrutural é a introdução de um novo mecanismo de despedimento, mas essa ideia acabou por cair no acordo com os partidos à esquerda.

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