“As atitudes em relação às mulheres e finanças são muito difíceis e lentas de mudar”

Mary Ellen Iskenderian é presidente da Women’s World Banking, uma organização sem fins lucrativos que trabalha com bancos para darem acesso a recursos e ferramentas financeiras a mulheres que não os têm.

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A Women’s World Banking trabalha em projectos no Quénia REUTERS/Patrick Olum

Trabalhou na Lehman Brothers e na International Finance Corporation durante 17 anos. Mary Ellen Iskenderian, actual presidente da Women’s World Banking, esteve em Londres, na conferência Trust Women, organizada em Novembro pela Thomson Reuters, a falar sobre as mulheres e finanças, mostrando como elas estão excluídas deste sector praticamente em todo o mundo. A Women’s World Banking foca-se no sector populacional que ganha dois dólares por dia, sector “onde as mulheres têm menos 28% de probabilidade de ter uma conta bancária do que os homens”. A aposta é ir além da microfinança e criar produtos que incluam poupanças e seguros. Irão trabalhar com Moçambique em breve – mas Mary Ellen Iskenderian não pôde dizer com quem. “Comparando com o Quénia e a Tanzânia, o acesso ao digital em Moçambique é muito baixo e uma parte do projecto será encontrar meios de acesso”, disse apenas.

As atitudes em relação às mulheres e finanças são as mais difíceis de mudar?
As atitudes em relação às mulheres e finanças são muito difíceis e lentas de mudar, até em países desenvolvidos. Vê-se que o fosso do empoderamento económico ainda é bastante grande. O Fórum Económico Mundial publicou o seu relatório anual sobre género em que mostra que o fosso entre homens e mulheres em relação a várias variáveis melhorou: na saúde e sobrevivência é de 96%, na educação é de 94% mas em relação á participação económica é de 60% - isto diz muito. O empoderamento político é de 21% e é aí que precisamos mesmo de investir…!  

Quais são as especificidades dos vossos produtos por trabalharem para mulheres?
Nas instituições com quem trabalhamos 70% dos clientes são mulheres. Aquilo que aprendemos é que precisamos de desenhar um produto que vai de encontro às necessidades específicas de mulheres – elas valorizam a praticalidade, têm tão pouco tempo que isso é muito importante; se falarmos de um produto de poupança, a confidencialidade é muito importante; a segurança e acessibilidade em termos de preços é também importante. E isso não quer dizer que os homens também não gostem destes produtos, porque gostam.

Há uns meses uma grande empresa americana publicou um relatório em que mostrava que as mulheres pediam muito mais informação sobre um produto antes de o comprar do que os homens - e estamos a falar de mulheres com níveis altos de educação. Isto é informação importante para ter em conta ao desenhar um produto para chegar às mulheres.

Há uma preocupação cada vez maior na Europa sobre conhecer os clientes, sobre protecção de privacidade e com as leis anti-lavagem de dinheiro mas vimos em tantos casos em África e nos países sul asiáticos que os certificados de nascimento das mulheres não são registados. Estes cartões depois são pedidos em países como o Bangladesh para obter um cartão SIM, por exemplo, por causa das preocupações com o terrorismo, que são válidas, mas têm consequências. Precisamos de políticas públicas que reflictam a forma como estas afectam as mulheres.

Qual é a diferença de comportamento entre homens e mulheres relativamente às finanças?
Já se tornou um cliché mas é verdade: as mulheres têm muito maior probabilidade em gastar o dinheiro que têm para despesas em três coisas: educação dos seus filhos, saúde para a família e melhoramentos na casa. A estatística frequentemente citada é que as mulheres guardam 89 cêntimos de 1 dólar para essas coisas enquanto os homens guardam 60 cêntimos – é uma prioridade muito maior. Uma das coisas que ouvimos muitas vezes é que as mulheres não querem fazer crescer o seu negócio. Isso deve-se muito frequentemente a uma pergunta mal feita: não é que as mulheres não queiram que o seu negócio cresça, o objectivo é que não é ter um negócio maior mas ter a certeza que os filhos têm acesso à educação. Se isso significa fazer crescer o negócio, então tudo bem. Mas o que se passa é que quando os investigadores fazem pesquisa sobre empreendorismo colocam a questão errada: muitas vezes as mulheres definem os seus objectivos no contexto da sua família, e este elemento da questão é esquecido pelos investigadores.

O que pode melhorar na prática com o maior acesso das mulheres às finanças?
Há imensas coisas. Fizemos uma pesquisa na África subsariana e descobrimos que o tempo médio entre detectar uma doença e procurar curar-se era de três dias para uma criança, de cinco para um homem e de nove para uma mulher. E a razão para as mulheres esperarem tanto é por ser muito caro. Podemos criar um produto financeiro que cubra, como fizemos, esses custos, porque assim as mulheres naturalmente vão procurar melhor acesso à saúde. Temos produtos de poupanças em nome de raparigas, para as adolescentes, porque em muitos países os pais decidem que não pagam mais as escolas das filhas quando elas chegam à puberdade. Se a rapariga tiver dinheiro em seu nome vai estudar, posso garantir que é para isso que todas as adolescentes com quem lidamos poupam, para estudar. Depois há uma relação muito forte entre violência doméstica e propriedade – se um homem tiver que colocar o nome da mulher na sua propriedade vai ser mais cuidadoso na forma como lida com ela…Ela continua vulnerável, mas por ter poupanças sabe que pode ir-se embora. 

Como é trabalhar com população pobre, que não tem dinheiro para usar um banco?
Uma das coisas que aprendemos é que têm mentes muito activas em termos financeiros e estão constantemente a gerir dinheiro – têm é muito poucas escolhas, muito pouco à sua disposição para usar esse dinheiro da melhor forma possível. A grande maioria desses milhões de mulheres está a guardar dinheiro no colchão – portanto desaparece, é roubado, etc. Essas poupanças são mesmo a diferença entre uma família sobreviver a uma catástrofe ou não.

Qual foi o impacto que a tecnologia teve na África subsariana?
No Quénia houve uma parceria incrível entre os bancos e as operadoras de telemóveis. As pessoas podem comprar minutos de telemóvel e usar esses minutos de telemóvel para fazer pagamentos: cada um vai à operadora de telemóvel da sua aldeia e recebe esses minutos – é quase uma nova moeda. No Quénia estamos a atingir cerca de 40% da população num sector financeiro formal através deste meio de pagamento digital. O que temos que assegurar é que o fosso entre homens e mulheres com acesso ao digital diminui.

Que países são bons exemplos na África subsariana nesse aspecto?
O Quénia e a Tanzânia, onde a penetração de telemóvel é quase universal. O que ouvimos das mulheres na Tanzânia é que o método é muito prático mas que não querem gastar o dinheiro com telemóvel, querem guardar dinheiro. Por isso estamos a trabalhar com um banco na Tanzânia para desenvolver um produto que dê o lado prático do telefone mas permita às mulheres poupar por longos períodos de tempo.

Quanto é que considera que o conceito de microcrédito evoluiu?
Acho que a evolução maior é o reconhecimento de que os pobres precisam mais que apenas crédito  - na verdade se só lhes der crédito pode-se colocar uma família numa situação complicada, criando uma condição de excessivo endividamento. Estamos convencidos que a combinação de poupanças, educação financeira e crédito e idealmente seguros é um pacote de produtos que cria uma rede de sustentação segura. Estivemos na República Dominicana a fazer pesquisa no ano passado, classificámos uma série de eventos que uma família poderia enfrentar no seu ciclo de vida: a morte da pessoa que sustenta a família, um desastre natural, cheias, furacões. A mulher dominicana com quem falámos disse que em média eles têm dois desses choques por ano. Se se tiver esses tipos de choques e não tiver essa rede de segurança tudo o que se construiu pode ir pelos ares. Para mim o grande desenvolvimento desde o microcrédito é proporcionar-se uma série de produtos que protege e contribui para a prosperidade de uma família.  

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