Apelo para não resgatar a PT

Ser brasileira não colide com o interesse nacional, mas ser francesa, sim?

Caros Francisco Louçã, António Bagão Félix, Manuel Carvalho da Silva, José Pacheco Pereira, José Silva Peneda, João Cravinho, Diogo Freitas do Amaral e mais sete inteligentíssimas pessoas que seria fastidioso estar aqui a nomear: após ler com devota atenção o vosso “Apelo para resgatar a PT”, confesso que há alguns detalhes que me escaparam, sem dúvida por incapacidade minha em acompanhar a velocidade de raciocínio de vossas excelências.

Invoco, por isso, a fulgência que vos caracteriza, para que tenham a amabilidade de me clarificar os seguintes pontos.

Ponto Um. Gostava de começar por uma questão muito prática, que é aquilo, como se costuma dizer na televisão, que interessa aos portugueses. Imaginemos que há uns senhores franceses que estão decididos a pagar sete mil milhões de euros só pelo prazer de escavacar a PT. É uma hipótese um bocado parva, eu sei, mas é só para seguir a vossa linha de raciocínio. O que é que me acontece, enquanto consumidor? Fico sem internet? Fico sem televisão? Fico sem telemóvel? Eu até sou cliente da Meo, mas a NOS está sempre a ligar-me cá para casa. E a Vodafone a bater-me à porta. Chama-se a isso “concorrência”, conceito que metade dos signatários do presente apelo tem por hábito elogiar. Ora, assim sendo, de que forma é que resgatar a PT, que já não actua em regime de monopólio, seria, segundo as vossas palavras, uma fundamental “defesa estratégica da soberania nacional”?

Ponto Dois. Quando afirmam, logo no segundo parágrafo, que “está em causa o interesse nacional na sua mais genuína interpretação”, será que podiam tentar explicar-me exactamente que “interesse nacional” é esse e, sobretudo, que “genuína interpretação” é essa? Eu não tenho quaisquer dúvidas acerca da vossa genuinidade interpretativa, só que nenhuma das 14 brilhantes cabeças que assina o documento se lembrou de explicar, ainda que em traços largos, porque é que impedir a venda da PT é uma forma de proteger o “interesse nacional”. Aliás, segundo sei, a PT já é brasileira. Portanto, ser brasileira não colide com o interesse nacional, mas ser francesa, sim? Ou a PT pode colidir mas não pode entrer en collision?

Ponto Três. Imaginando que existe uma excelente explicação para os Pontos Um e Dois, e que impedir a venda da PT é efectivamente um patriótico desígnio, coloca-se a seguinte questão: como é que isso se faz? Impede-se o negócio proibindo a entrada de cidadãos franceses em Portugal? Nacionaliza-se a empresa? Compra-se? Se sim, com que dinheiro? Confesso que tentei empenhadamente procurar algumas respostas a essas questões no vosso apelo. Debalde. Os senhores exigem às autoridades portugueses “uma actuação intensamente activa”, e é certo que fiquei impressionado: não exigem apenas uma “actuação activa”, oposta às costumeiras actuações inactivas, mas uma actuação que seja muitíssimo intensa na sua actividade. Louvo tamanha energia. Mas de que forma é que neste caso se actua activa e intensamente, respeitando o enquadramento jurídico português e comunitário?

Ponto Quatro. Não acham que esta coisa de andarem a assinar manifestos sobre temas económicos com pessoas que vão do Bloco de Esquerda ao CDS-PP apenas dá razão aos seis ou sete liberais genuínos deste país, que há muito garantem que no que à economia portuguesa diz respeito aquilo que continua a imperar é um pensamento único e uma visão centralista e clientelar do Estado? Era só isto. Muito obrigado pela vossa atenção.

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