Angola abandona tribunal em diferendo de diamantes que ameaça relação com Portugal

Litígio agrava-se em vésperas de visita de Paulo Portas.

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A relação entre Portugal e Angola na questão dos diamantes dificilmente será lapidada Stefan Wermuth/Reuters

O Estado angolano abandonou o Tribunal Arbitral responsável por decidir sobre o processo opondo a Sociedade Portuguesa de Empreendimentos (SPE) à estatal diamantífera Endiama, alegando "graves irregularidades" na sua constituição, informou à Lusa fonte do Governo de Angola.

Em causa está a exclusão da empresa pública portuguesa da exploração de diamantes numa mina do leste de Angola, através da Sociedade Mineira do Lucapa (SML), processo que se arrasta desde 2011, admitindo a mesma fonte governamental, contactada pela Lusa, que o abandono do Estado angolano deste tribunal, na semana passada, pode representar "o prelúdio do início de um conjunto de retaliações" contra Portugal.

A Lusa tinha já noticiado, a 10 de junho, que a Empresa Nacional de Diamantes de Angola (Endiama) exigia ao Estado português e a duas empresas públicas nacionais uma indemnização de seis mil milhões de dólares (5,5 mil milhões de euros) neste diferendo entre a concessionária angolana e a portuguesa SPE, que por sua vez quer ser ressarcida em mil milhões de dólares (920 milhões de euros) por Angola.

Segundo a mesma fonte governamental, a saída do Estado Angolano do Tribunal Arbitral, que deveria concluir em Novembro próximo a apreciação deste diferendo e da queixa movida pela SPE - contestando ter sido excluída unilateralmente da SML -, ficou a dever-se a "graves irregularidades no processo de constituição" do mesmo, nomeadamente alegadas interferências da empresa portuguesa e do Governo de Lisboa.

Além de possíveis "retaliações de Angola contra Portugal", a mesma fonte refere que o facto de a SPE pedir uma indemnização "é interpretado pelas autoridades angolanas como um verdadeiro insulto sem precedentes".

Na origem deste caso está o litígio que opõe a SPE à Endiama, por esta ter avançado em Novembro de 2011 com o encerramento da exploração diamantífera do Lucapa, alegando incumprimento contratual da empresa portuguesa, que então detinha 49% da sociedade que explora a mina. Os restantes 51% pertencem à Endiama.

Questionado pela Lusa, a 30 de Junho, em Luanda, o presidente do Conselho de Administração da Endiama confirmava o processo judicial contra a SPE e o desconforto angolano com o caso.

"Nós estamos ligados a Portugal por fatores culturais muito fortes, falamos a mesma língua, queremos cooperar com Portugal, mas fomos atacados. E nós, pronto, não entendemos", afirmou Carlos Sumbula, admitindo sempre a "porta aberta" para o diálogo.

Além do Estado português (por tutelar a empresa) e da SPE, também a Parpública (que detém 81% do capital social da SPE) é alvo do pedido de indemnização por parte da Endiama, alegando a empresa pública angolana que não foram mobilizados os investimentos necessários para o projeto daquela exploração diamantífera, disponibilizados conhecimentos e tecnologia, ou a formação de quadros angolanos no âmbito da parceria ou indemnizados os cerca de 1200 trabalhadores (à data de 2011) da mina.

Já a SPE tem negado as acusações de Angola, e defende que a revogação foi um acto “ilegal e inamistoso”, e tenta recuperar parte do valor daquele que é o seu único activo. Sem ter em conta a eventualidade de uma indemnização, este diferendo, conforme o PÚBLICO já noticiou, pode vir a custar 21 milhões de euros ao Estado português (além da perda do capital social).

Desde a revogação da licença de prospecção de diamantes, a SPE só tem sobrevivido graças aos apoios financeiros da Parpública. Esta já concedeu 14,4 milhões de euros à empresa, que tem ainda empréstimos bancários que totalizam sete milhões de euros, garantidos pelo Estado. E, depois de ter tentado avançar com um processo nos tribunais ordinários em Angola, a SPE optou por recorrer aos tribunais arbitrais, visando a Endiama e o Estado angolano. O processo que envolvia a Endiama acabou por não chegar ao fim, e estava agora a correr  a queixa, via tribunal arbitral, contra o próprio Estado angolano. No relatório e contas de 2014, a empresa dizia que, após um processo “particularmente moroso”, já tinha sido possível “constituir definitivamente o Tribunal [arbitral] em 20 de Maio de 2014” e, em Julho, avançou com a sua petição inicial.

Agora, surge a notícia do abandono por parte de Angola do tribunal arbitral, nas vésperas da visita de Paulo Portas a este país de língua portuguesa. O vice-primeiro-ministro desloca-se dia 23 a Luanda e estará presente na Feira Internacional de Luanda (Filda), evento que conta com empresas de vários países, com destaque para as de Portugal

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