Afinal os cofres estão cheios?

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A OCDE apela a que não haja um recuo no esforço de consolidação orçamental Enric Vives-Rubio

Em relação aos dados do INE (saldo global das administrações públicas em contabilidade nacional), do Banco de Portugal (dívida bruta) para 2011-2014 e as perspectivas do Governo para 2015, convém separar a análise do passado em relação à do futuro.

Conviria apresentar aqui, para além do saldo global – o que indica as necessidades de financiamento adicionais das administrações públicas – o saldo primário – isto é o saldo excluindo os juros da dívida – e, ainda, o que seria o défice quer sem juros, quer sem o efeito do ciclo económico (o saldo estrutural primário).

Retenha-se apenas que os juros estão assinalados na tabela e que, no ciclo económico considerado, o ano de 2012 foi onde a recessão foi maior. Tratou-se do ano do choque da austeridade troika-Gaspar através de dois mecanismos de transmissão: a quebra acentuada na despesa pública (cortes de dois salários no público e duas pensões) e das expectativas dos agentes económicos, consumidores e empresas, com a consequente redução no consumo  e no investimento.

O declínio da actividade económica e o aumento do desemprego nesse ano provocou uma quebra acentuada nas contribuições sociais da CGA (-581 milhões de euros) da Segurança Social (-666) e da receita fiscal nos principais impostos do Estado (-2192). Ao mesmo tempo, se a despesa com pessoal e com pensões se retraiu, pelos cortes de subsídios de férias e de Natal, ela foi parcialmente anulada pelo aumento das despesas com outras prestações sociais (+451 milhões.) em particular o subsídio de desemprego, e pelo aumento substancial dos juros (+610).

Em 2013, como resultado da decisão do Tribunal Constitucional, o Governo foi forçado a fazer a consolidação pela receita. O nível de fiscalidade (aqui medido apenas pelas contribuições sociais e os seis mais importantes impostos) aumentou significativamente. As receitas contributivas (CGA e Segurança Social) cresceram (+1585 milhões), mas este aumento foi insuficiente para cobrir o aumento da despesa com as principais prestações sociais: pensões, subsídio de desemprego, acção social e RSI (+2173 milhões.).

O ano de 2014, foi um ano em que a redução do défice orçamental foi diminuta (0,3 pontos percentuais) e igual ao aumento da receita fiscal. Este foi o único ano (de 2011 ao valor orçamentado para 2015) em que a variação das contribuições excedeu o valor das referidas prestações sociais, em grande medida explicado pela queda do subsídio de desemprego.

Nos restantes anos, o montante de impostos que está afecto ao pagamento das prestações sociais de ambos os regimes (não contributivo e contributivo) aumentou. Para 2015, o Governo espera reduzir o défice para 2,7% ajudado sobretudo por um aumento significativo da receita fiscal, dado que a receita contributiva vai diminuir, alguma redução nas prestações sociais e uma diminuição substancial na despesa com pessoal. Tudo indica que o governo sub-orçamentou a despesa com o pessoal do subsector Estado e sobre-orçamentou a dos Fundos e Serviços autónomos. De qualquer modo, a conjugação destes dois efeitos de sentido contrário não dará certamente para as poupanças em pessoal.   

Maria Luís, primeiro, e Passos Coelho, depois, reafirmaram que os cofres estavam cheios. Com a dívida pública a atingir 130,2% do PIB, retiremos o montante dos depósitos do Tesouro e veremos que os “cofres cheios” são uma migalha da nossa dívida. É certo que estamos em pré-campanha, mas espera-se um pouco de decoro.

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