Administração pública e comércio criaram mais emprego no final do ano passado

Pela primeira vez nos últimos cinco anos, no último trimestre de 2013 houve mais empregos criados do que destruídos. Estado, comércio, alojamento e restauração lideraram.

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Natal ajudou ao aumento do emprego no comércio no final do ano passado PÚBLICO/Arquivo

Administração pública, comércio e as actividades de alojamento e restauração foram os três sectores da economia que mais postos de trabalho criaram nos últimos três meses de 2013. No total, mais de 71.000 pessoas conseguiram emprego nestas áreas, um número que acabou por se esbater com a destruição de postos de trabalho noutros sectores. E, por isso, chegou-se ao final do ano com 29.700 novos empregos líquidos, o primeiro aumento homólogo dos últimos cinco anos.

A administração Pública (excluindo saúde e educação) foi a área que criou um maior volume de emprego líquido. Entre o final de 2012 e de 2013, o sector público empregou mais 24.700 mil pessoas, um aumento homólogo de 8,8% e o mais elevado desde o segundo trimestre de 2008. Ainda assim, os 306.000 trabalhadores registados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) no quarto trimestre do ano passado ficam aquém dos quase 313.000 que existiam no final de 2011, poucos meses depois de a troika ter entrado em Portugal.

Este número poderá incluir prestações de serviço e outros tipos de contrato e resultar da contratação a prazo de trabalhadores para algum sector específico do Estado. O PÚBLICO questionou o Ministério das Finanças sobre as razões deste aumento, mas fonte oficial remeteu uma explicação para os dados sobre o emprego público, que serão divulgados a 17 de Fevereiro. De todas as formas os dados do INE contrariam o movimento de redução de efectivos que tem vindo a ser evidenciado pelas estatísticas do Governo.

José Abraão, dirigente do Sindicato dos Trabalhadores da Administração Pública (Sintap), dá conta de “centenas de desempregados a trabalhar nos serviços públicos e da administração local com contratos emprego-inserção”, o que, diz, justifica em parte este aumento.

Comércio recupera 23.800 postos de trabalho
Muito próximo da subida registada no sector público nos últimos três meses de 2013 surge o comércio. No período de vendas mais importante do ano, esta actividade conseguiu recuperar 23.800 postos de trabalho, em comparação com o final do ano anterior. Empregou no total 691.300 pessoas, mas este valor ainda está longe do registado no último trimestre de 2008. Há cinco anos, entre Outubro e Dezembro, 765.200 portugueses trabalhavam no comércio por grosso e a retalho e na reparação de veículos. E desde esse ano que a perda de emprego é consecutiva.

Ainda assim, o crescimento dos últimos três meses do ano dá algum alento a um dos sectores que mais de perto assiste à contracção do consumo. João Vieira Lopes, presidente da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal, defende que, “apesar de Dezembro não ter sido tão bom”, no conjunto do trimestre houve uma melhoria das vendas, graças à “reposição do subsídio de Natal dos funcionários públicos e a algum ambiente positivo em termos de expectativas”. Isso mesmo foi visível nos dados do INE relativos ao volume de negócios neste sector: aumentou 1,2% no último trimestre de 2013, em comparação com o homólogo de 2012.

Luís Reis, presidente da Confederação dos Serviços de Portugal, antecipa para 2014 algum crescimento no emprego, mas sublinha que este é um “optimismo prudente”. “É precoce falar de retoma ou recuperação. Há uma sucessão de indicadores, consistentemente positivos, mas ténues”, disse. No universo mais abrangente dos serviços há áreas, como as actividades de informação e de comunicação, em que a população empregada cresceu de 89.000 no quarto trimestre de 2012 para 105.400 em 2013. Nesta categoria estão incluídas as telecomunicações ou os serviços de informação (como portais na Internet).

“No sector geral das telecomunicações e tecnologia tem havido crescimento por força de duas áreas: há uma maior fixação em Portugal de empresas na área do desenvolvimento de software e de serviços de valor acrescentado, na lógica do nearshoring, ou seja, prestação de serviço de assistência técnica de primeira linha e bastante sofisticado, feito por engenheiros e quadros altamente qualificados”, detalha Luís Reis.

Alojamento e restauração
O terceiro crescimento mais expressivo no emprego no final de 2013 verificou-se no alojamento e restauração, muito fruto dos bons números do turismo (asdormidas nos hotéis cresceram 5,1% até Novembro face a 2012). Entre Outubro e Dezembro, mais 22.700 pessoas encontraram emprego nesta actividade que, no total, terminou o ano com 299.800 trabalhadores. José Manuel Esteves, director-geral da Associação da Hotelaria, Restauração e Similares, recorda que o sector “apanhou o pico da destruição” em 2012, fruto da crise na procura externa, interna e do aumento da taxa de IVA em dez pontos percentuais, para 23%.

O aumento na criação de emprego a que, agora, se assistiu é o resultado de uma “reorganização”, mas também da sazonalidade. “A restauração e, sobretudo, a hotelaria vivem os efeitos do Natal e da passagem de ano”, sublinha, acrescentando que o aumento verificado no quarto trimestre “não é sustentável”. “Oturismo e a hotelaria estão a dar a volta por cima, principalmente em Lisboa. Mas aumento de receita não quer dizer rentabilidade. Quanto à restauração, está longe de recuperar”, vaticina.

Quase 53 mil deixaram a agricultura
No lado oposto à criação de emprego, destacam-se três áreas de actividade económica onde a destruição de postos de trabalho foi mais visível: agricultura, famílias com empregados domésticos e educação. No conjunto, estes três sectores perderam um total de 85.400 empregos entre o último trimestre de 2012 e o de 2013. Na agricultura, nem a vindima, nem o arranque da campanha da azeitona conseguiram contribuir para aumentar os postos de trabalho no sector, tendo este sido o que mais empregos perdeu no final do ano passado.

Depois de um crescimento significativo entre o primeiro e o segundo trimestre de 2013, entre Julho e Setembro 16.500 pessoas deixaram de trabalhar nesta actividade. E, à medida que o calendário avançou, os dados do INE também não mostraram uma inversão da tendência. No último trimestre do ano passado, a agricultura, a produção animal, a caça, a floresta ou a pesca deixaram de fora 52.800 pessoas em comparação com o mesmo período do ano anterior. Trabalhavam nestas actividades 414.800 pessoas, o que representa uma queda de 11,3% face ao quarto trimestre de 2012.

Há várias explicações para esta descida pronunciada. João Machado, presidente da Confederação dos Agricultores Portugueses, recorda que, no ano passado, a chuva não foi tão intensa e, por isso, a campanha da azeitona começou mais cedo. Este ano, pode ter “resvalado para Janeiro”, o que ajuda a explicar os números.

Por outro lado, o investimento tem aumentado (cerca de seis mil milhões de euros por ano, nos últimos seis anos). “Quando isso sucede há mais tecnologia envolvida, mais máquinas, mais trabalhadores qualificados e a mão-de-obra necessária reduz-se”, afirma, destacando a fruticultura, a horticultora, o vinho ou azeite como actividades onde este fenómeno é mais visível.

Na agricultura, “nem o crescimento nem o decréscimo são assim tão significativos”, diz João Machado, lembrando que a partir de Março o emprego vai voltar a crescer à conta, por exemplo, da apanha de fruta. “A menor criação de emprego não quer dizer menos actividade: as exportações continuam a crescer ao dobro de outros sectores, o ano passado diminuímos o défice alimentar, e reduzimos em mais 9% de importações”, sublinha.

A segunda actividade económica com maior perda de emprego em termos absolutos foi o que o INE designa por “famílias com empregados domésticos”, ou seja, cozinheiros, porteiros, mordomos, secretárias particulares e afins. Ou seja, profissões “em regime de contrato ou tarefa” e em que o resultado é “consumido pelas famílias empregadoras”, esclarece o instituto. No último trimestre de 2013, trabalhavam nesta área 113.400 pessoas, menos 16.400 em comparação com o período homólogo. Há cinco anos, nos mesmos meses, as famílias contratavam muito mais trabalhadores para estas tarefas: eram 164.300, ou seja, mais 50.900 face aos dados mais actuais.

Numa altura em que o Governo aplica duros cortes na Educação, não é de estranhar que uma das maiores quebras na criação de emprego tenha sido neste sector. Se no quarto trimestre de 2012 havia 380.400 pessoas empregadas, agora há 364.200 (ou seja, menos 16.200).

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