A regulação e o papel (comercial) do Novo Banco…!

O melhor seria colocar a responsabilidade onde deve estar: junto do causador.

A questão da assimetria entre os agentes económicos e a protecção da parte fraca são problemas há muito estudados na teoria da regulação.

Além das questões éticas e morais, reconhecidas jurídica e politicamente, decorrem também de uma exigência económica imposta pela existência de falhas de mercado – geradoras de ineficiências –, e da separação dicotómica entre propriedade e gestão que, também fruto da especialização, gera o que a teoria chama de relações de agência.

E é por isso que quando a gestão incide apenas sobre o que pertence a terceiros, o seu âmbito se encontra especialmente disciplinado e a responsabilidade de quem gere é acrescida. Sobretudo nos casos em que o dono (proprietário) não assume uma posição activa quanto às decisões sobre o seu património porque precisamente a especialização, os conhecimentos, a experiência e a credibilidade do gestor induzem à sua racional apatia.

Este aspecto é particularmente relevante nos mercados financeiros e em especial no que se refere à transparência e à disponibilidade da informação, que é essencial à tomada de decisão esclarecida para protecção dos interesses individuais, mas também para a confiança dos agentes económicos e para a eficiência do mercado, pois agentes mais informados tornam-se mais exigentes e tornam os mercados mais competitivos.

Tudo isto – mais que tratado na teoria económica e reconhecido em prémios Nobel –, a propósito de uma questão bem actual: como tratar os investidores em papel comercial junto do antigo BES, e que papel deve ter a regulação, não se limitando a aplicar a lei (pois para isso existem tribunais), contribuindo para a confiança no mercado e respeitando princípios fundamentais do Estado de Direito.

A ausência de informação é geradora de transferências patrimoniais iníquas, quer no momento em que as decisões são tomadas, ou depois quando ocorrem as perdas. É por isso que nos mercados financeiros a lei impõe a intermediação financeira obrigatória, que obriga a que os investidores recorram necessariamente ao serviço de um intermediário mesmo que entendam que não precisam dele. Precisamente, porque a especialização, a experiência, os conhecimentos, a credibilidade e a circunstância de este estar exclusivamente habilitado por lei e pelas autoridades para prestar esse serviço tendem a tornar a decisão dos investidores mais esclarecida e a sua posição mais segura.

Bem sabemos que apesar das falhas de mercado, a simples existência dos intermediários não torna os mercados perfeitos. Mais difícil é compreender que ocorrendo perdas na dimensão e abrangência conhecidas, prevaleça o entendimento de que o intermediário nada deve pagar, e que a sua responsabilidade não é reconhecida salvo prova em contrário. Assim como é difícil compreender que a regulação não entenda isso mesmo refugiando-se no argumento de que apenas há protecção para os depósitos cobertos, i.e. protegidos por fundos de garantia, fazendo tábua rasa da exigência constitucional de protecção da poupança pública, independentemente da forma que esta assuma, e do princípio constitucional da igualdade e da não discriminação, que não pode deixar de impor equidade de tratamento, ainda que não absolutamente paritário, entre diversos titulares de poupança aplicada, toda ela junto de balcões dos bancos, ainda que em instrumentos distintos.

Pretendendo os reguladores, nacionais ou europeus, seguir o caminho da discriminação e da desigualdade assente na irresponsabilidade do intermediário perante os investidores de retalho, não qualificados, não reconhecendo a protecção que se impõe da sua poupança, a coerência exigiria o fim da exclusividade para o exercício das actividades financeiras. É uma solução que não se defende, porque traria mais riscos. E seria uma coerência no sentido errado, que não é aconselhável.

Por isso mesmo, o melhor seria arrepiar caminho, honrando a equidade de tratamento e colocando a responsabilidade onde deve estar: junto do causador – respeitando naturalmente as suas garantias de defesa – e não do lesado. Essa sim seria uma coerência no caminho certo, desempenhando a Regulação bem o seu papel de regular o Papel (comercial) e evitando a dupla discriminação que resulta do diferente tratamento entre investidores semelhantes, e da não consideração destas poupanças como poupança pública merecedora de protecção.

As divergências públicas sobre esta matéria entre as autoridades supervisoras não são também um bom sinal. Mais uma boa razão para retomar as ideias de reforma do sistema de supervisão apresentadas há cinco anos atrás…?

Jurista. Ex-Secretário de Estado do Tesouro e Finanças

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