A nova vida dos hotéis com conta bancária a zeros

A Amazing Evolution nasceu no pico da crise no imobiliário e tornou-se especialista em “arrumar” a casa de empresas hoteleiras na falência. Portugal está no roteiro dos investidores internacionais

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A maioria dos hotéis que lhe chegam às mãos são normalmente detidos por empresas “que não tinham histórico de exploração hoteleira” Ricardo Campos

Margarida Almeida chega apressada ao escritório da Amazing Evolution, na Avenida da Liberdade. Está vestida de branco e fala com entusiasmo. “Não me vai fazer perguntas difíceis, pois não?”, dispara, sentada na mesa de reuniões, numa pequena sala de tons preto e branco. A decoração é sóbria mas marcante: nos poucos objectos que estão dispostos nas prateleiras há uma fotografia que parece ser dos trabalhadores.

A empresa que criou em finais de 2012 nasceu de uma oportunidade, uma espécie de “pegar ou largar” que mudou o rumo da sua vida profissional. Estava, na altura, no meio de um furacão chamado insolvência, a tentar negociar com credores “cara a cara” e manter em andamento projectos de construção de grande dimensão, como o do hotel Conrad, no Algarve, que esteve dois anos parado. A forma como liderou e tomou decisões chamou a atenção da banca, a braços com projectos hoteleiros falidos que chegavam a toda a hora, no pico da crise financeira. Foi a Margarida Almeida que recorreram para salvar empresas depois de ter conduzido o processo da Imocom, o grupo que trouxe a cadeia Hilton para Portugal e que acumulava, em 2011, prejuízos de 48 milhões de euros.

“Não planeei criar uma empresa. Foram as circunstâncias que se impuseram. A equipa que está comigo vem de uma grande insolvência. Tivemos de manter os projectos intactos para os clientes não perceberem as dificuldades financeiras e dar-lhes valor para que não fossem vendidos sob stress”, conta. Margarida Almeida trabalhava no departamento jurídico e tinha responsabilidades na área comercial, de licenciamento e na internacionalização. “Com a insolvência evidenciámos capacidades que não sabíamos que tínhamos. Foram três anos de relação intensa com os credores”, recorda.

O telefonema que recebeu em finais de 2012 de um investidor sedeado em Londres que precisava de uma empresa para acompanhar um projecto de construção levou-a à Empresa na Hora. E assim nasceu a Amazing Evolution (um dos nomes sugeridos pelo balcão único) que, hoje, tem mais de dez operações hoteleiras em gestão que, de um cenário de dificuldades, passaram a ter as contas limpas. Na lista estão três unidades que receberam primeiros prémios no World Travel Awards, uma espécie de “óscares” do turismo: Choupana Hills, no Funchal, Conrad Algarve e Monte Santo, no Carvoeiro.

“Os bancos começaram a ter problemas e era preciso gerir processos de insolvência, que eram atribuídos a administradores de insolvência que não sabiam gerir hotéis. Foi assim que começámos”, detalha a directora.

O caso mais recente é o do Tsar Lisboa Hotel, na Almirante Reis. Foi entregue à Amazing Evolution em Julho do ano passado com a conta bancária a zero. “O dono limpou tudo e fechou vendas”, conta. Com um contrato de gestão de dois anos, Margarida Almeida segue o método que utiliza em todos os seus projectos: nunca recorre à banca, nem faz investimentos avultados sem garantir vendas. “A facturação está a correr bem e a evolução é boa. Quando iniciámos, o novo proprietário perguntou-me quanto é que iriamos precisar e eu respondi: ‘Espero que nada’. Identificámos o que é necessário melhorar e não precisamos de dinheiro”, descreve. Posicionar o produto, identificar os clientes, investir nos recursos humanos são as prioridades. “Os princípios do modelo de gestão são iguais. Focamo-nos em dois aspectos. Primeiro, a rentabilidade do proprietário e a satisfação do cliente – um bom serviço e uma boa experiência fazem com que queiram voltar e recomendem o hotel a amigos. Depois, não vamos à banca. Há projectos que precisam de investimento, mas se não são sustentáveis têm de fechar portas”, diz.

A maioria dos hotéis que lhe chegam às mãos são normalmente detidos por empresas “que não tinham histórico de exploração hoteleira” e nasceram no boom imobiliário que a crise financeira de 2008 deitou por terra. Acabam-se velhos hábitos, como o de deixar que amigos pernoitem no hotel sem pagar. “Encontrei muito destas coisas. Um mês depois de estarmos a tomar conta de um hotel, o antigo dono foi à unidade almoçar e eu disse-lhe logo que ia ter de pagar… Havia uma grande confusão entre as contas da sociedade e a dos proprietários. Num empreendimento, o multibanco estava associado à conta do empresário e não da empresa”, conta, sem querer identificar o nome dos hotéis.

Mas as maiores falhas que encontra estão no atendimento ao cliente. “Há uma falta de pré-disposição para servir bem. Encontramos muitas deficiências no acolhimento, o que não acontece nas grandes cadeias. Trata-se de uma falta de cultura de hotelaria”, defende. A maior parte não tem estratégia de vendas, não conhece o cliente, não sabe que tipo de serviço procura. No portefólio da Amazing Evolution está, por exemplo, o Aldeia dos Capuchos Hotel, na Costa de Caparica. “São 229 unidades de alojamento e um campo de golfe. Iniciámos em Março de 2014 sem apoio de tesouraria nenhum, mas este ano temos vendas projectadas muito superiores e em 2015 atingimos o valor mais alto de sempre. É preciso perceber que a Costa de Caparica é para um determinado segmento de mercado”, detalha. No Funchal, com o Choupana Hills, o aumento das receitas foi de 80% em 2014.

Margarida Almeida não gosta de “engenharias financeiras”, prefere investir dinheiro que tem na conta, sem linhas de financiamento à disposição e o “mercado está a ajudar”. “Com tudo o que se tem passado fora de Portugal, há turistas que antes não olhavam para o nosso país como destino prioritário. Agora é a oportunidade de nos consolidarmos como destino mundial. É a nossa oportunidade enquanto gestores de captar clientes e fidelizar.”

Dias antes da entrevista, a directora da Amazing Evolution (com 20 trabalhadores) tinha sido contactada por um operador turístico que precisava de fazer “um contrato com um hotel rapidamente porque o mercado em Istambul morreu”. A empresa que se especializou em salvar hotéis está a alargar áreas de negócio.

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