A joão-miguel-tavarização da opinião?

J.M.T. pode vasculhar os meus textos à vontade: não encontrará neles o tipo de contradição que pretende imputar-me.

No seu artigo da passada terça-feira, João Miguel Tavares criticou o manifesto que defende a reestruturação da dívida apontando alegadas contradições de um dos seus subscritores; no caso, eu.

J.M.T. não entende que quem defendeu o investimento público e quem criticou o estudo dos economistas Reinhart e Rogoff sobre o impacto da dívida no crescimento venha agora dizer que a dívida se tornou insustentável e, portanto, precisa de ser reestruturada. Mais uma vez, um crítico do manifesto opta por atacar um dos seus subscritores, alertando, neste caso, para o grave perigo da “galambização da pátria”.

Para que não restem dúvidas, reafirmo todas as minhas posições: o investimento público era e é absolutamente imprescindível para o desenvolvimento económico e social do país; o estudo de Reinhart e Rogoff não faz sentido; e a dívida tem de ser reestruturada porque, no contexto actual, os seus encargos impedem o crescimento. Contradição? Só mesmo na (baralhada) cabeça de J.M.T.

Reinhart e Rogoff publicaram um estudo que correlacionava o rácio da dívida pública em percentagem do PIB e o crescimento económico e concluíam que, a partir dos 90%, a dívida limita o potencial de crescimento. Esse estudo já foi totalmente desacreditado por vários economistas, exactamente na linha do que defendi em 2010. Se sustento agora que, a manter-se o actual contexto, a reestruturação da nossa dívida será inevitável, não é certamente pelas mesmas razões que levaram Reinhart e Rogoff a correlacionar o rácio da dívida e o crescimento económico.

O argumentário de J.M.T. parte de uma frase que escrevi em Outubro de 2010: “Tudo o que possa ser dito sobre a dívida – que é má, que é perigosa, que é boa – é absolutamente irrelevante para debates sobre crescimento económico.” Mas esta frase não pode ser descontextualizada do debate a que pertencia, que era o de saber se os argumentos de Reinhart e Rogoff eram relevantes para avaliar os méritos do investimento público. Nesse contexto, escrevi também: “Não estou a dizer que a dívida não é um problema; limito-me a constatar que, preocupados ou não [com a dívida], todas as decisões sobre o que devemos fazer dependem exclusivamente dos méritos de projectos particulares.” Como esta citação demonstra, reconheci explicitamente que a dívida podia ser um problema, mas que era irrelevante para saber se o projeto x ou y devia ser feito e se beneficiava ou não o crescimento económico. Espero que, no futuro, os dicionários da língua portuguesa definam este tipo de omissão grosseira de um contexto como uma joão-miguel-tavarização.

 O problema da nossa dívida não é o facto de ser elevada, mas sim o facto de que, no contexto do Tratado Orçamental, e quando pagamos cerca de 4,5% do PIB em juros, a única maneira de cumprir as nossas obrigações europeias sem voltar a cortar salários, pensões, Saúde, Educação e investimento público (tudo rubricas que têm um fortíssimo impacto) é reestruturar a dívida. Os EUA, o Reino Unido ou o Japão não têm este problema, apesar de terem níveis de endividamento elevadíssimos e até, no caso do Japão, superior ao nosso. E não têm porque nenhum desses países pertence a uma zona monetária que, errada e tragicamente, decidiu, em Maio de 2010, abandonar as políticas keynesianas de combate à crise, substituindo-as por uma obsessão com a austeridade, que veio a resultar na aprovação do Tratado Orçamental.

J.M.T. pode vasculhar os meus textos à vontade: não encontrará neles o tipo de contradição que pretende imputar-me. Defendi sempre, e continuo a defender, que as crises económicas se devem combater com políticas keynesianas. Defendi sempre que a austeridade teria as consequências que estão hoje à vista de todos: no emprego, na coesão social, no crescimento económico — e na insustentabilidade da dívida. A dívida é hoje um enorme problema porque, desde Maio de 2010, a zona euro deixou de adoptar as políticas keynesianas que sempre defendi, e continuo a defender. A solução ideal para o nosso país é reestruturarmos a dívida para cumprirmos o Tratado Orçamental? Não. Mas, se a alternativa à reestruturação é o absurdo percurso de mais 20 anos de austeridade traçado pelo Presidente da República no Prefácio do seu Roteiros VIII, então só posso concluir uma coisa: não há uma alternativa realista à reestruturação, como defende, e bem, o manifesto que me orgulho de ter subscrito.

Economista

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