A harmonização fiscal e o futuro da UE

Nunca existiram políticas efectivas de uniformização fiscal e as tentativas para harmonizar impostos indirectos fracassaram.

Embora a tributação seja uma função nuclear do Estado e a base da soberania das nações, uma vez que sem recursos financeiros nenhuma nação pode pôr em prática as suas políticas, é igualmente verdade que o processo de adesão à União Europeia (UE) impôs limites voluntários a essa soberania, como moeda de troca que permitiu a Portugal participar livremente num mercado alargado e, assim, fortalecer a sua economia.

A harmonização fiscal, definida no portal da UE, como o sistema que permite: “Coordenar os regimes fiscais dos países europeus de maneira a evitar modificações não concertadas e concorrenciais das políticas fiscais nacionais, que poderiam ser prejudiciais para o mercado interno”, assume-se como o mecanismo axial de todo este processo integracionista.

A importância da harmonização fiscal resulta do facto de que só podem existir políticas económicas eficientes e eficazes num espaço comum, económico, monetário e financeiro alargado e diferenciado, se a condução das políticas monetárias e fiscais dos vários Estados-Membros (EM) for coordenada centralmente, de forma a impedir desequilíbrios internos entre os países.

É, portanto, a harmonização fiscal que possibilita a construção desse espaço unificado, tendo como fim eliminar os obstáculos fiscais à actividade económica transfronteiriça, combater a concorrência fiscal prejudicial e promover uma maior cooperação entre as administrações fiscais, com o propósito de combater a fraude e evasão fiscais.

Neste processo, a nível europeu, tem sido dada primazia à regulação dos impostos indirectos, sobretudo do IVA, dado que este imposto pode criar obstáculos imediatos à livre prestação de serviços e circulação de mercadorias, ao potenciar distorções concorrenciais indesejáveis, baseadas em diferenciais de taxas.

Quanto à regulação dos impostos directos, dos vários tratados europeus transparece a orientação de que se trata de matéria legislativa soberana de cada Estado, de modo que os avanços neste âmbito são pouco mais do que nulos.

Na realidade é forçoso concluir que, sessenta anos depois de a UE ter sido criada e uma década após o lançamento do euro, nunca existiram políticas efectivas de uniformização fiscal e que mesmo as tentativas para harmonizar impostos indirectos fracassaram, tendo em conta a multiplicidade e amplitude de taxas de IVA actualmente existentes.

Esta desarmonia fiscal não tem conduzido os EM na direcção de uma construção equilibrada da UE e reflecte a inaptidão das medidas políticas, económicas, monetárias e fiscais empreendidas. O resultado desta situação tem-se pragmatizado na deslocalização de empresas, em busca de "paraísos fiscais", dentro e fora da Europa, em desvios de consumo entre países europeus, na fuga (e evasão) de capitais e na perda paulatina de receitas por parte dos EM.

A competitividade económica e monetária da Europa face ao resto do mundo e a autonomia financeira dos Estados que compõem este bloco estão assim ameaçadas, se não se alcançar uma verdadeira harmonização dos impostos indirectos e directos entre os vários EM.

Para citar apenas alguns casos mais paradigmáticos da desarmonia fiscal existente, atente-se nos procedimentos administrativos relacionados com o IVA: Em média, uma empresa, envolvida num negócio efectuado em dois EM da UE15, tem que lidar com 11 diferenças existentes entre as administrações fiscais desses estados. Além disso, a variação nas taxas de IVA registadas em cada país revela um afastamento dos parâmetros de harmonização fiscal inicialmente perseguidos.

No que diz respeito aos impostos directos, os casos da Irlanda (onde a taxa de imposto sobre as empresas é de 12,5%), e de Portugal (onde foi reformado o IRC para incrementar a competitividade fiscal do país, através da redução das taxas de imposto, que passaram de 25% para 23%) são ilustrativos da situação de concorrência fiscal existente no seio da UE. No limite, a expansão destas práticas conduzirá à generalização de “guerras de competitividade fiscal” que, por sua vez, colocarão a UE perante um cenário ou de desintegração ou de tomada de consciência de que terá que inverter o rumo para sobreviver. Acresce que a concorrência fiscal entre membros de uma união é uma ameaça que não pode ser desprezada, porque contribui para a diminuição das receitas dos estados, para a redução dos salários e para o enfraquecimento do mercado interno, contribuindo para subverter os princípios que nortearam a criação do espaço comunitário.

Neste contexto, a resposta das instituições da UE está longe de ser satisfatória. Facto que é agravado pela incapacidade manifesta, pela Comissão e pelo Conselho, para ultrapassarem a regra da unanimidade, no que respeita à decisão sobre questões fiscais. São estas fraquezas, em suma, que justificam a incapacidade, nuns casos, e os atrasos, noutros, para implementar medidas que corrijam o curso dos acontecimentos e ajudem a combater a desarmonia fiscal reinante. Consequentemente, a qualidade de vida dos cidadãos europeus tem vindo a degradar-se, o eurocepticismo a crescer e a motivação dos cidadãos para acreditarem no projecto europeu a diminuir.

Neste âmbito uma coisa parece certa: Sem harmonização fiscal dificilmente poderá existir UE.

Presidente da Direcção Nacional do Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos

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