A fraude e o sector financeiro

Todos os investimentos envolvem riscos. No entanto, no caso do sector financeiro, como já foi amplamente notado, o problema é que enquanto os lucros são privatizados as perdas são nacionalizadas. Isto foi bem visível com a crise financeira despoletada pela falência do Lehman Brothers nos EUA em 2008, ou com os casos do BPP, BPN, BES e Banif em Portugal. Uma série de questões se levantam: Primeiro, qual o montante das perdas com a crise financeira dos últimos anos? Segundo, por que razão é que o sector financeiro é tão propício à fraude? Terceiro, o que leva a que sejamos sempre todos nós a pagar pelos erros do sistema financeiro?

Quanto à primeira questão, a resposta dada pelo banco central dos EUA (Fed) é que os custos são difíceis de estimar, e as estimativas tem pecado sempre por defeito. Apesar das dificuldades, a Fed estima que os custos da última crise financeira, só para os EUA, rondam entre 15 a 22 triliões de dólares. Estes custos ascendem como tal ao PIB dos EUA, ou seja, é como se a economia dos EUA tivesse fechado para férias durante um ano. No caso da União Europeia, um relatório da Comissão Europeia aponta para custos de cerca de 6 a 12 triliões de dólares. Olhando para os países individualmente, a Grécia perdeu cerca de 30% da sua riqueza potencial, a Irlanda 27%, a Espanha 18% e Portugal 13%. No caso de Portugal, estas perdas dariam para pagar as despesas com a saúde e educação durante um ano. No conjunto da OCDE a redução em riqueza potencial situa-se em cerca de 8%, o que equivale a dizer que com a última crise financeira foi como se a economia alemã tivesse desaparecido da economia mundial.

Como nota a Fed, tem-se também que ter em conta que muitos dos custos associados às crises financeiras não podem ser calculados. Por exemplo, os custos do desemprego tendem a prolongar-se no tempo, visto que muitos dos que saem do mercado de trabalho nunca mais voltam ou perdem uma parte significativa das suas qualificações e remunerações. Na UE, por exemplo, desde 2007 caíram no desemprego mais 9,3 milhões de pessoas. No mesmo período, o número de pessoas na UE em risco de pobreza aumentou em 7,4 milhões.

É igualmente difícil de calcular o impacto na economia da perda de confiança no sector financeiro. Por exemplo, um estudo de 2013 aponta que mais de 60% da população europeia não confia no sector financeiro. Tal não é de admirar se consideramos todos os escândalos que envolveram nos últimos anos o sector financeiro, como a questão dos “paraquedas dourados” (indemnizações compensatórias) a gestores despedidos com gestões ruinosas, os pacotes de bónus que várias empresas financeiras ofereceram aos seus gestores mesmo quando estas ainda estavam sob ajuda estatal (como a seguradora AIG nos EUA), a manipulação das taxas de juro LIBOR por vários bancos em Londres, e a descoberta que vários instituições financeiras na Suíça participavam activamente na evasão fiscal dos seus clientes.

Quanto à segunda questão, sobre o sector financeiro ser propício à fraude, muitos constatam que em parte isto tem a ver com os montantes astronómicos envolvidos, o que leva os seus agentes a agir de forma irracional e fraudulenta. Alega-se que a pressão competitiva é tão grande, que se uma instituição financeira não tiver uma estratégia agressiva e for totalmente honesta será eliminada pela concorrência.

Como argumentado em alguns relatórios do Financial Services Authority do Reino Unido, esta concorrência selvagem no sector financeiro criou uma cultura nas instituições financeiras tolerante à fraude. Um estudo publicado na revista Nature, que incide sobre empregados de uma grande instituição financeira, aponta também neste sentido (ver Alain Cohn, Ernst Fehr e Michel André Maréchal, Business culture and dishonesty in the banking industry). Este estudo demonstra que estes empregados só se comportam de forma desonesta quando a profissão destes é feita saliente através de técnicas de “condicionamento” (“priming”) da psicologia. Por exemplo, quando se pede a estes empregados para pensarem no contexto de uma actividade familiar ou social, não são mais desonestos que o resto da população (grupo de controlo no estudo). No entanto, se se solicita a estes empregados para pensarem em termos da sua profissão, actuam de forma muito mais fraudulenta que o grupo de controlo. Os autores concluem que é a cultura empresarial nas instituições financeiras que promove a desonestidade e a fraude neste sector.

Na terceira questão perguntamo-nos o que explica ser sempre a sociedade a pagar os erros do sector financeiro. Uma das razões é que de certa forma estamos todos “reféns” do sector financeiro. Quem é que não tem um empréstimo ou uma conta num banco? Por outro lado, existe também um problema de acção colectiva, uma vez que as perdas do sector financeiro são redistribuídas por todos, o que faz com que a quota-parte que cada um tem que reembolsar seja “relativamente” pequena. Para além do mais, muitos de nós nem notam o que pagam ao sector financeiro, visto pagarmos indirectamente através dos impostos. Assim, poucos se sentem afectados ao ponto de serem levados à acção contra o sistema financeiro. Depois, a importância económica do sector financeiro é tão elevada que, como muitos já realçaram, este é “too big to fail” o que o torna também um dos maiores lobistas (e empregador) sobre os políticos.

Como tal, é preciso criar mecanismos que permitam resolver a inacção contra o sector financeiro. Nos EUA deram-se alguns passos neste sentido com o Dodd-Frank Wall Street Reform and Consumer Protection Act’s. Na zona euro, por seu lado, desenvolveu-se o Mecanismo Único de Resolução, mas, ao contrário dos EUA, este apenas incide sobre o sector bancário. Em ambos os casos o objectivo é assegurar que as perdas do sector financeiro sejam pagas por este e não pela sociedade. Devia-se também exigir que o sector financeiro faça mais do que actualmente faz para evitar estas situações. Por um lado, o sector financeiro tem que promover uma mudança da cultura empresarial no sector, em que, como vimos, a fraude é tolerada pela gestão de topo. As empresas financeiras têm também que desenvolver rotinas de controlo interno de fraudes para evitar comportamentos desonestos. Sem estas mudanças, o sector financeiro voltará muitas mais vezes a ser um fardo insuportável e inaceitável para a sociedade. Professor na Norwegian School of Economics

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