A extensão do prazo das dívidas aos bancos, o aumento dos spreads e a racionalidade económica

O aumento de diversos tipos de risco, que tem ocorrido no crédito hipotecário, pode sugerir que há um propósito menos evidente nesta iniciativa da banca.

A notícia recente de que há bancos que estão a aliciar os seus devedores hipotecários para aceitarem a extensão da maturidade das suas dívidas em contrapartida dum aumento do spread, está a gerar polémica em jornais, blogs e redes sociais.

Esta iniciativa é vista, por alguns sectores de opinião, como um expediente desleal através do qual os bancos visariam apenas aumentar os seus ganhos à custa dos devedores, os quais só terão a perder com a alteração dos contratos. Deste ponto de vista, o lado negativo do aumento do spread não é compensado pela extensão da maturidade da dívida, que é tida como irrelevante para o devedor. A realidade não é assim tão simples, porque o devedor tem, de facto, alguns benefícios com o alongamento do prazo da dívida. É preciso não esquecer que há devedores que desejariam ter conseguido um prazo maior quando contraíram as suas dívidas e que veem surgir essa oportunidade através deste processo. A escolha que farão os restantes devedores depende da importância que atribuem à diminuição dos montante dos pagamentos mensais que a renegociação das dívidas torna possível. Essa redução das prestações pode representar, em muitos casos, uma almofada que amortece os efeitos de cortes em remunerações e/ou o agravamento fiscal que afetam muitos devedores, e que poderá servir não só para aumentos do consumo mas também para a aplicação em produtos de poupança, ou mesmo para antecipar amortizações da própria dívida renegociada. Assim sendo, o aumento do spread, que é o preço a pagar pela obtenção deste tipo de benefícos, só pode considerar-se alto ou baixo, em função das circunstâncias de cada um e, como a componente subjetiva tem um peso muito importante, tanto a aceitação como a recusa da proposta do banco podem ser consideradas boas decisões racionais.

O banco, por sua vez, tem um objetivo imediato óbvio com este tipo de proposta, que é o de aumentar o seu rendimento num dos segmentos do seu ativo, contrariando a descida das taxas de juro que sofre noutros tipos de instrumentos financeiros, bem como as perdas resultantes do aumento das imparidades nos segmentos de crédito de maior risco. Cumulativamente, este procedimento também permite aos bancos alcançarem objetivos de prazo mais longo, como o de manterem o rendimento proveniente dos devedores hipotecários de boa qualidade, contrariando a tendência para o seu desaparecimento que decorre da aproximação das datas do último vencimento das dívidas. A manutenção do fluxo dos rendimentos dos bancos provenientes deste segmento é extremamente importante num contexto em que os segmentos do crédito que mais contribuiram para o período de prejuízos que os bancos têm vindo a atravessar ainda continuam a ter um peso importante nos ativos da banca. Pode perguntar-se então se, atendendo aos benefícios que os bancos têm através da renegociação das dívidas com os devedores hipotecários de melhor qualidade, haverá algum fundamento para que os respetivos spreads sejam aumentados, como se o risco que apresentam tivesse aumentado. A verdade é que, apesar da boa qualidade, o risco aumentou numa boa parte deste segmento de devedores, ao longo dos últimos anos. O risco de desemprego é bastante maior hoje do que era há meia dúzia de anos, e deixou de existir apenas no setor privado, estendendo-se também à administração pública, cujos empregados foram ainda sujeitos a importantes cortes salariais que também contribuíram para aumentar o risco que apresentam enquanto devedores da banca. Para além dos devedores, também os imóveis apresentam, nos tempos que correm, um risco de desvalorização acrescido. Este aumento de diversos tipos de risco, que tem ocorrido no crédito hipotecário, pode sugerir que há um propósito menos evidente nesta iniciativa da banca, que é o de ajustar, por esta via, as taxas de juro ao novo nível de risco destes devedores e dos imóveis hipotecados, já que não o pode fazer de modo unilateral. No entanto, os devedores não têm conveniência em decidir com base nos propósitos implícitos que a banca eventualmente possa ter com esta iniciativa, mas apenas com base na avaliação dos benefícios e custos que ela lhes traz.

No final de contas, em vez de descredibilizar a iniciativa, o que é importante é garantir que ela seja conduzida em condições de transparência que assegurem que os devedores tomarão decisões bem informadas. Por exemplo, não é conveniente que estes compromissos possam ser assumidos por telefone, e deve ficar garantido que o devedor está consciente de que o prolongamento do prazo da dívida é acompanhado do aumento do spread. Há, por conseguinte, razões suficientes para que esta iniciativa seja sujeita à observação atenta do supervisor.

Professor da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra

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