A economia paralela em Portugal

Esta crónica inicia a colaboração do Observatório de Economia e Gestão de Fraude (OBEGEF) com o PÚBLICO. Cabendo-me a mim dar o “pontapé de saída”, decidi abordar a economia paralela em Portugal.

Em todos os países existe uma parte da economia, a economia paralela (não registada ou sombra), cuja actividade, usualmente fruto de comportamentos marginais e desviantes, não é acomodada pela contabilidade nacional, sendo o seu peso, causas e consequências variáveis no espaço e no tempo. Encontrar uma definição formal é uma tarefa difícil, porque o fenómeno é complexo, está em constante mutação e incorpora a economia subdeclarada, a Ilegal, a informal, o autoconsumo e a subcoberta por deficiências estatísticas.

O uso dos termos não é uma mera questão de nomenclatura. A economia subdeclarada, motivada por razões fiscais, corresponde à produção que não é contabilizada para evitar o pagamento de impostos e contribuições. A economia ilegal reporta a produção que não é contabilizada porque resulta de actividades ilícitas, pelos fins ou meios usados. Estas duas rúbricas reflectem, nomeadamente, a fraude, o branqueamento de capitais, o aumento dos conflitos de interesse, o uso de informação privilegiada, a desregulação e o enfraquecimento do Estado, e representam um forte retrocesso civilizacional que pode colocar em causa a organização social democrática existente.

A economia informal e o auto-consumo comportam a produção decorrente de actividades essencialmente associadas a estratégias de melhoria de condições de vida das famílias ou de sobrevivência, e permitem explicar a sobrevivência de populações com Produto Interno Bruto (PIB) oficial per capita abaixo do limiar de subsistência, servindo de almofada social ao evitar maior sofrimento da população.

A distinção entre rúbricas torna-se relevante para evitar inconsistências de análise e por ter impacto nas estimativas de medida, já que tentativas de medição directa requerem a colaboração de todos agentes económicos, cujo comportamento esperado é o de não confessar, ocultando, a participação em práticas ilegais, fraudulentas ou pouco éticas.

A definição mais abrangente de economia paralela, porque abarca todas as rubricas referidas, considera que engloba todas as transacções económicas que contribuem para o PIB, mas que, por diversas razões, não são tidas em conta. No entanto, os estudos sobre a medida tendem a considerar apenas uma ou algumas das suas rúbricas e acabam, portanto, por subestimar o objecto. Efectivamente, a definição considerada depende do propósito, da metodologia e da informação disponível, enfatizando-se sobretudo (e quase sempre) a economia subdeclarada.

Mas como medir então o “invisível” (algo que acontece também com parte do PIB oficial)? Há basicamente dois grandes grupos de rigorosos e testados métodos estatísticos e econométricos capazes dessa medição: métodos monetários e de variável latente. Recorrendo a estes métodos, o OBEGEF tem dado conta do peso da economia paralela em Portugal, sendo a principal motivação, para esse comportamento altruísta, o seu combate. Os últimos dados existentes referem-se ao período 1970-2013 e continuam a revelar uma tendência de aumento desde o início do período considerado, passando a representar 26,81% do PIB oficial e correspondendo a 45.901 milhões de euros em 2013. Para ter uma ideia da grandeza do valor, diga-se que suportaria o orçamento do Ministério da Saúde durante cinco anos e que teria servido para eliminar o défoce de 4,85% no PIB do Orçamento Geral do Estado.

Em geral, as causas explicativas são os impostos, contribuições para a segurança social e custos administrativos, a intensidade e complexidade de leis e regulamentos (burocracia), a falta de credibilidade de órgãos de soberania face à conduta de alguns representantes, a ineficiência da administração pública, a falta de transparência no atendimento público, as condições de mercado induzidas pela globalização, o baixo nível de educação, a mão-de-obra composta por imigrantes ilegais e clandestinos, a falta de cultura e participação cívica, razões culturais e ambientais, o progresso tecnológico, o baixo índice de confiança na sociedade, a instabilidade social, a carga de regulação e o desemprego.

E, entre as principais causas do incremento recente em Portugal, salientam-se os aumentos na taxa de desemprego e na carga fiscal. Em particular, cresceu o incentivo para: manipulações contabilística e relatórios fraudulentos de empresas; manipulações de preços de transferência, de subfacturação e sobrefacturação em operações internacionais; utilização de paraísos fiscais, evitando pagamento de impostos; surgimento de empresas fantasma; realização de operações fictícias na União Europeia para receber IVA; manipulações fraudulentas de operações alfandegárias; uso de informação privilegiada; realização de transacções económicas sem factura.

Como principais consequências salienta-se a distorção na concorrência entre empresas, a redução das receitas fiscais – logo a degradação das contas públicas e do investimento e, portanto, do crescimento e da redistribuição –, a incerteza na estabilização da economia – com indicadores enviesados, as decisões de política económica acabam desajustadas e, portanto, os efeitos económicos podem ser inadequados. Além disso, a economia paralela limita a democracia porque: gera desconfiança e afasta representantes e representados, e gera uma ideia de impunidade, perdendo-se a consciência ética; enfraquece os laços de solidariedade e de respeito mútuo entre cidadãos e entre este e seus representantes, pelo que, para os eleitores, “qualquer um serve porque todos são iguais”, o que estabelece um clima de passividade face à coisa pública e às decisões políticas. Prejudica ainda a dignidade da pessoa humana porque desvia recursos financeiros e impede a alocação de recursos disponíveis para prestações sociais da responsabilidade do Estado, desprezando os pobres e enfraquecidos.

Claro que algo tem sido feito para travar a economia paralela. O combate à fraude e evasão fiscais intensificou-se e a credibilidade dos órgãos de soberania face à conduta de representantes tem melhorado. Mas há ainda muito para fazer. Há que aumentar a transparência na gestão dos recursos públicos, educar a sociedade civil sobre os seus efeitos perversos, ter uma justiça mais rápida e eficaz, implementar o crime de enriquecimento ilícito, combater a fraude empresarial, combater a utilização abusiva de convenções de dupla tributação, incentivar o uso cada vez maior de meios electrónicos nas transacções de mercado, e combater o branqueamento de capitais com melhor supervisão do sistema financeiro, melhor regulação do sector, legislação adequada e vontade por parte das autoridades em actuar.

Parece-me que é dever cívico de todos contribuir para, pelo menos, a sua redução, nomeadamente das rúbricas mais perigosas: a economia subterrânea e a ilegal.

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