A cornucópia

Se os projectos são tão indispensáveis e reprodutivos, por que razão não foram eles adoptados em devido tempo?

A cornucópia de projectos e dinheiros que desaba agora sobre os Portugueses levanta dois problemas: donde vem tanto dinheiro, depois de quatro anos de duríssimas restrições? Se os projectos são tão indispensáveis e reprodutivos, por que razão não foram eles adoptados em devido tempo? Sem uma resposta cabal a estas duas questões teremos que concluir por uma de duas enormidades: os projectos eram indispensáveis para o bem do Povo e o Governo foi negligente ou incompetente em não os ter aprovado, quando mais falta faziam; ou em alternativa, se os projectos, embora necessários, foram atrasados para altura eleitoral, então o Governo demonstra cinismo atroz. Não apenas eleitoralismo, mas verdadeiro sadismo, se sabia serem os projectos essenciais e se só os promove quando podem render votos. Em qualquer caso, a ética política não parece estar presente.

Na verdade, na lista de benesses dos últimos dias incluem-se: 15 milhões para formação vocacional para usar até final do ano, sob a forma de subsídios de 500 euros a pessoas sem emprego; 22 milhões para comprar cirurgias adicionais ao sector privado, nas áreas sempre necessárias do cancro da mama, do cancro da próstata, das cataratas, entre outras; mais alguns milhões para colonoscopias adicionais, a realizar pelo privado, não já ao preço aviltado inicialmente negociado mas agora a preço decente; mais trinta unidades de saúde familiar, após o "esquecimento" que levou a que nos cinco primeiros meses apenas uma tenha sido criada; milhares de isenções de propinas a estudantes do superior, a decidir justamente a tempo de as famílias saberem que terão para o próximo ano, generosamente cobertas as propinas dos seus dependentes. E a lista ainda vai curta, pois a bondade governamental com o Verão será sempre multiplicável.

A Grécia. Quando os gregos pretendem equilibrar a opinião pública com a sua versão da realidade têm que utilizar o Financial Times ou colocar na net artigos do Varoufakis. Houve até alturas em que divulgaram gravações de debates, desvendando a incompetência técnica dos mais autoritários e despertando o ódio da nudez real. Como se um conjunto de políticos primários e de deficientes economistas algum dia pudesse ditar outra lei que não fosse a do mais forte. Perante auditórios destes extremam-se posições. Varoufakis debita uma arenga, Lagarde distila insultos biliosos. Nada a esperar deste areópago. Se alguma solução nascer, ela surgirá dos credores que detêm o capital e a reputação e recusam a estratégia do desastre: a França (por simpatia e vizinhança, a Itália) a Alemanha que tudo decide e o Banco Central Europeu. Ausente do Eurogrupo por opção, o nosso mais antigo aliado assiste a estes dislates das escarpas de Dover, feliz por isolado do desconcerto. Comentadores de circunstância refugiam-se no oxímoro que seria a Europa expulsar quem não quer, não pode, nem sabe como sair do redil para procurar melhor pasto.

A reputação dos políticos. Por dever de ofício participei num encontro com professores e alunos do secundário sobre eleições presidenciais. Estimulados os jovens presentes a identificarem os problemas que mais os afligem, surgiram naturalmente os temas da falta de emprego, da saída para fora de portas, da impossibilidade de constituírem família e procriarem e, como sempre, a desgraça que para eles é a classe dos políticos. Poucas vezes me tinha apercebido do grau de alienação entre governados e governantes. Os primeiros sentem-se um rebanho errante pelas encostas do desespero, ansiando por quem os oriente. Os segundos, sem compreenderem tamanho drama. Cercados pela informação negativa a que têm acesso, muitos jovens debruçam-se sobre a vida com a mesma alienação com que os nossos netos se deixam absorver pela quinquilharia eletrónica com que, canhestros, tentamos comprar a sua afectividade. Assim não vamos lá. Muitos deles safar-se-ão sorrateiramente procurando o seu caminho de vida, indiferentes a guias e pastores.

Artigo Lua

Solidariedade, precisa-se!

Não será hoje o último acto da Europa. A Cimeira Euro, com “adultos na sala”, reúne condições para entendimento no caso grego. De Atenas, há a vontade expressa de participar nas reformas e o compromisso assumido de as levar à prática. Aceitam as metas orçamentais para o excedente primário: 1% para este ano, e para o próximo, 2%. Todavia, os credores duvidam da eficácia na arrecadação de receitas, do combate à fraude tributária, do agravamento fiscal do património e dos rendimentos mais elevados. Contrapõem cortes nas pensões e aumento do IVA. Resta a dívida, que Varoufakis pretende aliviar transferindo os títulos detidos pelo BCE para o Fundo de Estabilidade Europeu. Os gregos cumpriram mais de metade das exigências dos credores. Ao fim da tarde, acabar com a crise exige realismo. Somam-se, notas decisivas. A compra de dívida pública em mercado secundário, até três anos, de países sob stress financeiro, o Programa de Transacções Monetárias Decisivas (OMT, na sigla inglesa) do BCE tem apoio do Tribunal de Justiça Europeu. O BCE pode utilizá-lo e acalmar o mercado financeiro. Pode evitar contágios. O BCE tem vindo a alargar o montante global da Assistência de Liquidez de Emergência (ELA) o que não evitará o controlo de capital na economia para estancar a fuga. A União Europeia está cercada. A Oeste (Brexit), a Este (Ucrânia), a Sul (Grexit/Grexaccident) e sem BCE o jogo acaba. Resta aos líderes políticos clarividência para navegar entre escolhos. João Ferreira da Cruz, economista

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