A bolsa quer chegar às PME, mas as PME ainda não estão convencidas

A presidente da Euronext Lisboa diz que é preciso "abrir um diálogo" com as empresas mais pequenas e mostrar-lhes que há soluções à medida do seu tamanho.

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As Euronext, em que se inclui a bolsa de Lisboa, conseguiram este ano 1400 milhões de euros com a entrada de PME no mercado Dário Cruz

Quão parecida pode ser uma pastelaria portuguesa com uma pastelaria francesa? A pergunta, da presidente da Euronext Lisboa, Maria João Carioca, não é inocente e foi feita a uma plateia de empresários e gestores numa conferência destinada a atrair empresas para o mercado de capitais. Foi neste evento (em que ao lado de cotadas como a Galp - prestes a comemorar o décimo aniversário em bolsa - estiveram outras empresas que ainda não deram o passo para o mercado, como a Delta, os grupos Rangel e Luís Simões e a Douro Azul) que Maria João Carioca quis passar a mensagem de que o mercado de capitais “é uma ferramenta” à espera de ser usada.

Este ano, os mercados da plataforma Euronext (Paris, Amesterdão e Bruxelas, além de Lisboa) levantaram cerca de 1400 milhões de euros em operações de entrada em bolsa para PME, relatou Maria João Carioca. Nenhuma delas foi de empresas portuguesas. No entanto, ao olhar para as sociedades que passaram por estes processos, a presidente da Euronext Lisboa garante que “ainda antes de ver a nacionalidade, não há ali nada que diga” que elas não são portuguesas, porque “são iguaizinhas” a tantas outras que cá temos.

A presidente da Euronext deu como exemplo o caso de uma cadeia de restauração e pastelaria francesa (ou seja, que actua num sector “relativamente clássico, relativamente maduro”) que entrou em bolsa com uma valorização de 30 milhões de euros. Com o exemplo pretendeu desfazer “a visão demasiado estreita de que só as empresas com grandes mercados de crescimento”, como as do sector tecnológico, podem fazer um caminho no mercado. “A noção que nos fica é que às vezes só é preciso abrir este diálogo com as empresas portuguesas” e mostrar que, mesmo com dimensão mais reduzida, também podem encontrar investidores e mecanismos apropriados, assegurou.

Porém, essa talvez esteja longe de ser a percepção que a maioria das empresas portuguesas tem. Um dos oradores do evento, o presidente da associação empresarial de Águeda, Ricardo Abrantes, sublinhou que, no contexto actual, em que os bancos não estão a financiar as empresas, a bolsa “surge como uma excelente alternativa”. Ainda assim, reconhece que esse não é um cenário que a empresa a que preside, a Almas Design, equacione, preferindo um caminho “mais tradicional”.

Para levar empresas para a bolsa, Ricardo Abrantes diz que “é preciso criar condições” à medida das PME. “De nada serve falar de emissões obrigacionistas”, exemplificou. Além disso, é preciso desfazer alguns mitos. Há a ideia de que “se a empresa for tecnológica pode ter sucesso”, mas é preciso ter “um olhar diferente” para os sectores tradicionais, que são a base do tecido empresarial e que são quem tem “aguentado o emprego”, mesmo “com grandes dificuldades de financiamento”. A bolsa tem de se “orientar no sentido das PME”, diz o empresário.

O desconhecimento quanto aos requisitos para a entrada em bolsa, os custos inerentes ao processo e à manutenção no mercado, o receio de perder o controlo das sociedades, as exigências regulatórias e as obrigações de divulgação de informação são alguns dos receios que ainda mantêm as empresas afastadas dos mercados de capitais. Mas, sobre as obrigações de transparência, a presidente da bolsa desvaloriza e garante que “quem está a exportar, já está exposto a um grande escrutínio, superior àquele que o mercado trará”.

Maria João Carioca reconhece que ainda há a trabalho a fazer, quer para trazer as empresas para a bolsa e aproximá-las dos investidores, quer para dotar o mercado de capitais português de “mecanismos equivalentes” aos que existem noutros mercados e que são “fundamentais para atrair capital”. Exemplo disso são os títulos para os fundos do mercado imobiliário, conhecidos como REIT (do inglês real estate investment trusts). “É algo em que estamos a trabalhar intensamente com a estrutura de missão para a capitalização das empresas e agora com o Governo no processo de preparação do OE”, reconheceu a presidente da bolsa, à margem do evento.

O primeiro-ministro, António Costa, que fez a abertura do evento (“Via Bolsa”) realizado, a convite da marinha portuguesa, na Escola Naval do Alfeite, sublinhou que o Governo “tem a ambição" de reforçar o papel do mercado de capitais como financiador da economia. Nessa linha, quer avançar em breve com o lançamento de instrumentos de dívida de curto prazo para as PME , uma medida que já estava prevista no Programa Capitalizar, aprovado em Agosto. Além disso, o Governo quer criar “empresas de fomento da economia”, que possam investir no capital de PME e que assim podem ser elegíveis para as carteiras de fundo de investimento e de pensões, tal como foi sugerido pela Estrutura de Missão para a Capitalização de Empresas.

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