“A Alemanha precisa claramente de mais investimento”

Jörg Asmussen, secretário de Estado do Trabalho e Assuntos sociais na Alemanha, garante que a economia da zona euro vai ser mais ajudada por uma Alemanha onde os salários estão a subir e o investimento publico vai aumentar.

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Entre 2008 e 2013, esteve no centro da crise europeia, primeiro como número dois no ministério das Finanças alemão e depois como membro do conselho executivo do BCE. Agora, retirado dos grandes palcos para uma mais discreta secretaria de Estado do Trabalho e Assuntos Sociais, defende que os pedidos mundiais para que a economia alemã contribua mais para o crescimento europeu com a sua procura interna já estão a ser respondidos. O Governo tem um plano de investimento público para os próximos anos, e “os alemães estão agora a exigir salários mais altos”, diz. Em relação a Portugal, Asmussen diz que, apesar do desemprego alto, “o essencial é manter o rumo”.

A Alemanha está a crescer, o desemprego está a um nível baixo, regista-se um excedente externo muito elevado e as contas públicas estão equilibradas. Tudo parece correr bem à Alemanha, mas ao mesmo tempo há alguns indicadores que não batem certo com esta história de sucesso, como o aumento da desigualdade e da pobreza. Porque é que isso acontece?
É uma descrição correcta. Estamos numa situação relativamente robusta, esperamos que o PIB cresça 1,8% este ano e no próximo. Estamos com um novo máximo histórico de emprego, com 43 milhões de pessoas. Este é o resultado de reformas feitas anteriormente. Mas como disse, há coisas em que temos de fazer o nosso trabalho de casa. Por exemplo, temos um milhão de desempregados de longo prazo. O aumento recente no emprego vem da imigração e de uma maior participação das mulheres no mercado de trabalho, não dos desempregados de longa duração. É por isso que começámos como Governo a olhar para isto e lançámos em Novembro um programa para lidar com o desemprego de longo prazo. Se uma pessoa está nessa situação, arrisca-se a ser marginalizado e arrisca-se a ser pobre quando se recebe a pensão. Por isso, estamos a tentar trazê-los de volta para o mercado de trabalho.

Quando as reformas de que fala foram feitas, há mais de 10 anos, houve uma flexibilização do mercado de trabalho, que permite às empresas contratar mais facilmente em regime de trabalho parcial, nos chamados minijobs. Esta não é também uma razão para que tenha havido um aumento da desigualdade e da pobreza?
Fizemos grandes reformas. Tivemos a famosa agenda 2010 que não foi fácil politicamente. O governo perdeu poder e o partido politico que melhor conheço [SPD] ainda agora tem uma forte disputa interna acerca dessas reformas. Eu sempre fui a favor da agenda 2010, mas reconheço que teria sido melhor em substância e mais fácil de implementar se, ao mesmo tempo que se aumentava a flexibilidade do mercado de trabalho, se tivesse introduzido um salário mínimo nacional. Na altura isso não foi possível politicamente, mas teria sido melhor. Fizemo-lo agora, no início de 2015. Teria sido melhor ter uma reforma de dois pilares há dez anos, em que dávamos a necessária flexibilidade ao mercado de trabalho, mas ao mesmo tempo dávamos alguma segurança de rendimentos para os escalões mais baixos do rendimento.

Já tem ideia do impacto que o salário mínimo está a ter? Alguns sectores, como a indústria agrícola, queixam-se de perda de competitividade.
Introduzimos um mínimo legal de 8,50 euros por hora a 1 de Janeiro. Antes, houve um debate muito vivo sobre essa decisão, apesar de sermos o 22º país da UE a aplicar um salário mínimo. Houve muitas previsões pessimistas sobre a forma como o mercado de trabalho iria reagir, mas, até agora, não vemos quaisquer dos efeitos negativos que eram antecipados por vários colunistas. O mercado de trabalho está robusto, mesmo com um salário mínimo que cobre 3,7 milhões de pessoas.

Ao início, alguns sindicatos não eram favoráveis à ideia de salário mínimo, preferindo exercer o seu poder negocial para garantir salário elevados. Os sindicatos já não têm esse poder, tornando o salário mínimo mais necessário do que no passado?
Sim. Eu apoiei o salário mínimo antes de me juntar ao governo porque a situação estava a mudar. Se andarmos 20 ou 25 anos para trás, quase todas as pessoas empregadas eram cobertas por acordos colectivos de trabalho, especialmente na Alemanha ocidental. Por isso, tínhamos na prática um salário mínimo, que era o salário mais baixo acordado no sector da construção. Hoje, apenas 50% das pessoas empregadas estão cobertas por acordos colectivos e na Alemanha de leste o valor é ainda menor. A situação económica mudou, há 20 anos havia um sistema que protegia a população com vencimentos mais baixos, mas agora isso já não acontece. Havia a necessidade de termos este tipo de intervenção.

No resto da Europa, há muita gente a desejar que na Alemanha se verifique aumentos salariais mais elevados, e não apenas nos rendimentos mais baixos. Porque é que isto não acontece, é por causa da perda de poder dos sindicatos?
Eu penso que isso começou já a mudar no final do ano passado, quando assistimos um aumento dos salarios reais. É muito provável que continue a acontecer, tendo em conta os resultados das últimas negociações salariais. É verdade que nos anos anteriores houve alguma moderação salarial na Alemanha, que contou com o acordo dos sindicatos. A prioridade era garantir a segurança dos postos de trabalho. Várias vezes negociaram que ninguém seria despedido nos 24 meses seguintes em troca de um aumento salarial moderado. Agora vemos os salários a crescerem em termos reais, o que se traduz num crescimento bastante sólido do consumo privado, que se manteve relativamente fraco na Alemanha por alguns anos. Agora é o maior motor do crescimento. E isto é positivo, nomeadamente de uma perspectiva macroeconómica na zona euro.

Os sindicatos estão a tornar-se mais exigentes?
Em partes da economia sim, porque a economia está bem e o mercado de trabalho forte. Existe uma procura elevada especialmente por trabalho qualificado.

As greves no Deutsche Bahn são um exemplo?
A situação no Deutsche Bahn é muito específica, tem a ver com uma luta entre dois sindicatos dentro da mesma empresa. Não tem tanto a ver com o que está a acontecer na economia. Mas em geral, os alemães estão agora a exigir salários mais altos. Prevemos que esta tendência de subida de salários se mantenha este ano em linha com os aumentos de produtividade.

No primeiro trimestre a economia cresceu, mas menos do que os mercados esperavam, tendo em conta o baixo valor do euro e do preço do petróleo. O que é que aconteceu?
Quando olhamos para a composição do crescimento no primeiro trimestre, aquilo que contribuiu menos foram as exportações líquidas. O consumo interno e o investimento estiveram bem. As exportações mais fracas do que o esperado tiveram a ver com uma série de factores, tal como o crescimento mais fraco dos mercados emergentes e alguns riscos geopolíticos. Numa economia virada para as exportações como a nossa, todos estes factores conduziram a um crescimento mais lento.

Muitos economistas dizem que a Alemanha tem uma escassez de investimento que vai pesar no crescimento futuro. Concorda?
Sim. Um grupo de trabalho encarregue pelo Ministério da Economia para estudar isto concluiu que a Alemanha tem falta de mais investimento público e privado. Estamos a subinvestir e o stock de capital é demasiado pequeno e um pouco desactualizado. Por isso, anunciámos que o Governo iria investir 10 mil milhões de euros adicionais de 2016 a 2018. E também estamos a olhar para novas possibilidade de parcerias público privadas, algo que não tem sido aproveitado recentemente pela Alemanha. A Alemanha precisa claramente de mais investimento público, mas também há necessidade de investimento privado. O debate tem estado mais no investimento público, mas precisamos dos dois. No investimento privado temos de olhar para aquilo que faz com que investir na Alemanha seja uma coisa boa. O que vemos é que as grandes empresas alemãs investem todas bastante, mas não na Alemanha. Elas investem principalmente nos mercados emergentes. Se queremos que isso não aconteça na Europa, temos de explorar totalmente os benefícios do nosso mercado comum. Mas, sim, mais investimento seria bom para o nosso crescimento potencial e para os nossos vizinhos.

Neste momento a Alemanha beneficia de taxas de juro nulas ou mesmo negativas. Não seria possível ir mais longe no investimento público?
Nós anunciámos planos para investir mais, mas queremos manter o nosso orçamento equilibrado. Esse é o objectivo da coligação governamental. Ainda assim também começámos a discutir a possibilidade de baixar o imposto sobre o rendimento das pessoas, o que levaria a um crescimento do consumo privado.

Para a Europa como um todo está optimista?Já resolvemos os problemas?
Muito honestamente, a resposta é sim e não. Resolvemos os problemas porque os riscos de uma ruptura na zona euro diminuíram drasticamente. Estamos no meio de uma retoma modesta que está a ganhar velocidade e podemos ver países a crescer outra vez, como Portugal que conseguiu dar a volta. Tenho um enorme respeito pelo que foi feito aqui. Por outro lado, ainda não resolvemos os problemas por diversas razões. Uma é que ainda temos valores muito elevados de dívida, pública e privada. Isto significa que a desalavancagem terá de continuar a ser feita, que a consolidação orçamental tem de prosseguir e isto, claro, vai limitar as opções de política durante o próximo ano. Depois, ainda temos altos níveis de desemprego. Houve melhorias nos últimos meses em alguns países, mas ainda há mais oito milhões de desempregados do que havia antes da crise. Esta combinação de dívida e desemprego altos cria o risco de deixarmos um encargo duplo para as gerações mais jovens: vão ter de pagar a dívida, mas não têm empregos. E isto conduz ao terceiro problema, que é o que se passa na frente política. Para a democracia, a actual situação é muito difícil de sustentar.

Perante estes problemas, e tendo em conta esta pressão política, não seriam necessárias mais medidas que possam ter efeitos no curto prazo? A Alemanha geralmente recomenda reformas estruturais para resolver o problema, especialmente na periferia, mas os efeitos são mais para o longo prazo...
O que precisamos é de um crescimento na zona euro que seja sustentável. Este crescimento, no final, precisa de produzir empregos competitivos no sector privado. Não devemos ter como meta estimular a economia por um ou dois trimestres através de uma expansão baseada na dívida. Precisamos antes de uma combinação de políticas. A primeira é a monetária e eu penso que o BCE está a fazer aquilo que é preciso. A segunda é a política orçamental e aqui a situação varia de acordo com os países, mas as poupanças geradas pelas taxas de juro baixas não devem ser usadas para fazer mais despesas permanentes. A terceira são as reformas estruturais, que são precisas em todos os países europeus. A quarta área é que precisamos de uma maior integração para tornar a zona euro mais estável contra choques externos. A quinta é explorar os benefícios comuns da UE, nomeadamente o mercado comum. Tudo isto deve conduzir a um crescimento que seja sustentável. Para mim, modelos de crescimento baseados em dívida – e pode ser dívida público ou privada, não faz diferença – não são sustentáveis para a nossa geração e para as próximas.

Essa tem sido a visão da liderança europeia até agora, especialmente na Alemanha. Nos Estados Unidos, por exemplo, parecem ter uma visão bastante diferente sobre aquilo que deve ser feito.
Isto é porque o espaço de manobra orçamental é diferente, em termos daquilo que se pode ou não fazer. Muitas vezes, o horizonte temporal no debate é muito diferente. Estou convencido que na zona euro temos de conseguir combinar o curto prazo com o longo prazo. Às vezes encontram-se pessoas que defendem que se deve fazer apenas reformas estruturais, mas estas demoram muito tempo a mostrar efeitos positivos. É preciso sobreviver no curto prazo para se conseguir chegar ao longo prazo. Se se tem uma verdadeira recessão, como aconteceu na Alemanha em 2009, adopta-se uma política orçamental com estímulos. Numa recessão real isto é correcto. E em situações difíceis também se devem aplicar políticas activas de emprego. Mas ao mesmo tempo, não podemos perder de vista o longo prazo, temos de olhar para o crescimento potencial no futuro, dado que somos uma sociedade em envelhecimento. E a propósito, essa é também uma das razões para os EUA serem diferentes da Europa, eles são mais jovens do que nós.

A Alemanha pôde aplicar uma política orçamental expansionista em 2009, mas Portugal não pôde desde 2010, antes pelo contrário. Não deveria pelo menos agora espaço para isso?
Tenho muito cuidado em dar conselhos, especialmente estando perto de umas eleições. Estive com o governador do banco central, com o ministro do Trabalho e com a ministra das Finanças e o que vejo é que Portugal cresceu no último ano pela primeira vez em muitos anos, o desemprego ainda está alto, mas está a reduzir-se. Não se deve subestimar este sucesso abandonando a estratégia seguida. A dívida pública e privada em Portugal é ainda relativamente alta. Eu manteria o rumo e, se tivesse algum espaço de manobra orçamental, usá-lo-ia no investimento produtivo. A produtividade do trabalho em Portugal é mais baixa que a da média europeia, por isso essa seria a área para apostar. Mas o essencial é manter o rumo.

Com este rumo, no Programa de Estabilidade apresentado pelo Governo, projecta-se que o desemprego ainda esteja acima de 10% em 2019. Como é que se lida com isso?
Chegar a 10%, vindo de 18%, é quase um corte a metade. Mas sim, 10% ainda é demasiado alto. E o desemprego jovem ainda é de 34%. É por isso que falei com o Governo sobre formas de aumentar a colaboração em áreas como a formação profissional. A Siemens, Bosh e Volkswagen lançaram um centro de formação e talvez se possa expandir para outras parte do país, porque vemos que quase toda a gente que faz essa formação acaba por encontrar emprego. Na Alemanha também temos um problema com o desemprego de longo prazo. Como a situação não é satisfatória, deve fazer-se um esforço a nível europeu nesta frente.

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