A Agricultura e a Integração Europeia

Ao longo dos 37 anos que já passaram, desde que o assunto da CEE nos entrou diariamente em casa (9 de negociações e 28 de integração), tenho-me questionado muitas vezes, tal como certamente tem acontecido a muitos agricultores, sobre como estaria a nossa agricultura, se não tivesse sido a nossa integração na CEE, em 1986.

Outra questão, próxima mas não igual à anterior, sobre a qual reflito há muitos anos, é a do impacto que tem tido a Politica Agrícola Comum (PAC) sobre a nossa agricultura.

Quanto à primeira questão, nem eu, nem ninguém, conseguirá responder. O máximo que se pode fazer é especular, com base naquilo que era a nossa agricultura antes da adesão. Uma agricultura que os mais novos não conheceram e que alguns dos mais velhos têm tendência a memorizar de forma idealizada.

Tenho obrigação de a ter conhecido razoavelmente bem, quer pela minha idade e origens, quer porque, à época, tinha responsabilidades de chefia no Gabinete de Planeamento do Ministério da Agricultura. Nessa qualidade, participei ativamente nas negociações para a adesão e num exaustivo “exame sectorial” que ultrapassou em rigor e atualidade o que as estatísticas da época registavam, normalmente, com cinco anos de atraso.

Portugal tinha, de facto, com raríssimas exceções, uma agricultura estagnada, várias décadas atrasada relativamente ao resto da Europa comunitária. Protegida do exterior e muito pouco competitiva, com gravíssimas condicionantes estruturais, fundiárias, empresariais e organizacionais, arrastava-se, sem expectativa de futuro. O enquadramento administrativo era frágil e tecnicamente impreparado, o ensino e a investigação tinham parado no tempo. O enquadramento económico era estatizante, altamente burocrático, servido por um complexo sistema de preços, aos produtos agrícolas e aos fatores de produção, bem como de subsídios ao consumo, controlados por uma rede de Organismos Públicos de Coordenação Económica que também mantinham exclusivos comerciais, incluindo de comércio externo (nos cereais, azeite e oleaginosas, produtos pecuários, vinho, frutas e hortícolas).

Era uma agricultura, ainda largamente camponesa, com centenas de milhares de agricultores pobres, vivendo miseravelmente, com poucas explorações/empresas de média e grande dimensão, raramente modernas e tecnicamente desenvolvidas, muitas das quais ainda feridas por uma reforma agrária recente que as tinha desorganizado e, em muitos casos, destruído.

Quando negociámos a adesão, por várias vezes sentimos que os nossos interlocutores tinham dificuldade em acreditar na descrição que lhes era feita. Portugal tinha, sobretudo na fase final da negociação, preços agrícolas substancialmente mais elevados do que os dos países da comunidade[1] e produtividades físicas, em alguns casos, inferiores a um terço da média Comunitária.

Voltando à questão sobre o que teria acontecido sem a integração na CEE, na minha opinião, ou Portugal se mantinha fechado, isolado do mundo, com uma agricultura medieval, sobrevivendo artificialmente, em função de meios públicos que seriam cada vez mais raros, ou nos abríamos ao mundo, sem condições que nos permitissem manter altos níveis de apoio público e a nossa agricultura não resistiria a uma confrontação direta no mercado mundial, transformando-se, rapidamente numa reminiscência estatística. Os portugueses pagariam muito caro por essas alternativas.

Quanto à segunda questão, a da avaliação do impacto da nossa adesão, muita coisa tem sido dita, muitas vezes sem a mínima relação com a realidade.

A verdade é que Portugal resistiu e tem desenvolvido o sector agrícola, agro-industrial e florestal, que está, globalmente, mais forte, mais apoiado, mais moderno e competitivo. Chegou-se, aliás, ao ponto do segmento agro-industrial, o mais apoiado pelas ajudas ao investimento, ser hoje o mais importante da indústria transformadora.  

Nada disso teria acontecido sem o apoio europeu, que há 28 anos nos paga a 100% os subsídios agrícolas ao rendimento (cerca de 580 milhões de Euros/ano) e sem os 7 sucessivos programas plurianuais de apoio ao Desenvolvimento Rural (cerca de 600 milhões de Euros/ano), que nos têm assegurado o imprescindível apoio à renovação e modernização das nossas infra-estruturas e do nosso aparelho produtivo.

Sem o apoio da PAC, não teria sido possível chegar aos dias de hoje com mais de 80% de auto-suficiência alimentar (em valor)[2] e exportar mais de 4200 milhões de euros em produtos alimentares de base agrícola e 3800 milhões de euros em produtos florestais, o que, em conjunto, representa 16,8% das nossa exportações. Também não nos seria possível instalar cerca de 250 novos jovens agricultores por mês.

De facto, posso não conhecer tudo o que se passa na nossa agricultura, mas não conheço nenhuma adega, nem nenhum lagar de azeite com alguma importância que não tenha sido feito com um fortíssimo apoio financeiro da PAC.

Também não conheço nenhum matadouro, indústria de leite e lacticínios, estação fruteira, estufa, barragem, olival, vinha ou pomar moderno, secador, armazém, estradas rurais, sistemas de rega, de eletrificação, turismo rural, instalações de associações, povoamentos florestais, instalações agro-industriais, fábricas de cortiça e todo o tipo de infra-estruturas, que tenha sido feito sem o forte apoio da UE.

Não conheço igualmente ações de proteção do ambiente e de preservação da biodiversidade, que não sejam financiadas pela UE e pela PAC

Pode-se dizer que tudo é bom na PAC? Que não há injustiças e iniquidades? Que não há sectores e agricultores em má situação?

Claro que não! Contudo, mesmo no que se refere à política de preços e mercados - a componente que é mais contestada - é preciso não esquecer que o que está em causa não é a PAC mas o modo de funcionamento dos mercados mundiais e da globalização, que é normalmente defendido exatamente por aqueles que mais criticam a PAC por ela apoiar o rendimento dos agricultores.

Considerar-se a PAC como a grande responsável por aquilo que se diz ser o “descalabro da agricultura portuguesa”, o que está longe de ser uma realidade, não deixa de ser uma patetice sem nenhum fundamento, dito por ingenuidade, ou por falta de informação, mas que, infelizmente, vemos frequentemente repetido na comunicação social.
 
 

[1] O que não era o caso, bem pelo contrário, quando, em 1977, pedimos a adesão
 
[2] Ver DESTAQUE do INE de 2 de Abril de 2013 sobre “Abastecimento Alimentar em Portugal”

Ver “Autossuficiência Alimentar: Mitos e Realidades” - Comunicação do Prof. Francisco Avillez no Ciclo de Conferências: O futuro da alimentação - ambiente, saúde e economia, da Fundação Calouste Gulbenkian, em Junho de 2012.
 

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