“Estamos apetrechados para competir com as melhores do mundo”

Num contexto de crise económica marcado pelo encerramento de várias refinarias, a Galp apostou no “último grito tecnológico” para se posicionar entre as mais eficientes e sustentáveis da Europa.

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Investimento de 1400 milhões de euros maximizou produção de gasóleo na refinaria Sandra Ribeiro
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Sandra Ribeiro
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Exportações de produtos refinados caíram 11,6% devido à paragem da refinaria de Sines Sandra Ribeiro

As cegonhas brancas são uma das maiores aves europeias. Simbolizam prosperidade e felicidade e por isso o director da refinaria da Galp em Sines, José Martinho Correia, acredita que o facto de um casal ter escolhido uma das colunas do complexo de hydrocraking para fazer o ninho só pode ser “bom sinal”. Na refinaria, onde ainda são visíveis alguns andaimes da recente paragem para manutenção, a estrela é mesmo o hydrocracker, uma “obra de arte tecnológica” da Chevron, que entrou em produção comercial em Janeiro do ano passado.

Este investimento de 1400 milhões de euros veio maximizar a produção de gasóleo na refinaria (ajustando o perfil de produção às necessidades do mercado ibérico e permitindo-lhe processar 43 mil barris diários), garantiu à Galp o estatuto de maior exportadora nacional (o país passou de importador a exportador deste combustível) e colocou o complexo de Sines no grupo das refinarias mais sustentáveis da Europa. “Quando tomámos a decisão de fazer o investimento já se verificava com muita clareza que só as refinarias mais eficientes teriam condições de sobrevivência”, explicou ao PÚBLICO o administrador da Galp com o pelouro da refinação e distribuição, Luís Palha da Silva.

A reconversão do aparelho refinador permitiu maior integração com a refinaria de Matosinhos e aumentou a eficiência operacional (Sines tem capacidade de transformar em produto 92% do que recebe). Mas também trouxe a flexibilidade necessária para “reagir mais rapidamente às variações dos preços do crude” e melhor gerir os custos das matérias-primas (um dos principais méritos da nova unidade é o de transformar crudes mais pesados e baratos em “gasóleo de elevadíssima qualidade”).

Nos últimos anos, encerraram 15 refinarias europeias e estima-se que pelo menos mais uma dezena vá fechar. A Galp não corre esse risco, mas não se pode “sentar em cima do investimento”. “Estamos muito mais apetrechados para a competição com as melhores do mundo, mas é mentira dizer-se que o trabalho está feito”, sublinha o vice-presidente da Galp.

O “crescimento anémico” da Europa mantém os consumos de combustíveis e as margens de lucro em níveis historicamente baixos e a elevada concorrência (a que se vieram somar as refinarias que entretanto surgiram no Médio Oriente) obriga a empresa a “adaptar-se permanentemente”, utilizando a capacidade produtiva de forma “eficiente e engenhosa” e procurando mercados que “vão tendo crescimentos interessantes”, como os ligados ao turismo (aviões e cruzeiros), diz o gestor.

Embora a prioridade seja abastecer o mercado interno, há sempre as exportações. A Galp vendeu para fora 4,15 mil milhões de euros em 2013 (9% do total das vendas nacionais), graças essencialmente a Sines, onde se processaram 8,6 milhões de toneladas de crude (43% da produção foi para o estrangeiro, com destaque para os Estados Unidos - gasolina - e Gibraltar, Holanda e Espanha - gasóleo -).

A “comparação constante” com a concorrência e a identificação permanente de ganhos de eficiência fazem parte do dia-a-dia em Sines. “Tudo é benchmark”, diz Martinho Correia. Por isso existem na refinaria “nove engenheiros que não fazem mais nada senão pensar em eficiência”. A referência é o Energy Intensity Index (EII), o índice que agrupa as cerca de 60 maiores refinarias da Europa Ocidental “que têm os critérios de qualidade mais exigentes”.

As metas estão bem definidas: subir para o grupo das líderes em disponibilidade (sem avarias) em 2015 e para o grupo das que lideram em eficiência energética em 2016 (a factura energética representa a parte de leão dos custos de produção do negócio).

Naqueles 384 hectares (onde está armazenado o grosso das reservas estratégicas nacionais de combustíveis e crude), o respeito pelos regulamentos e pelas regras de segurança é “condição de empregabilidade” (para os 520 colaboradores directos - mais de 200 são engenheiros – e cerca de 900 prestadores de serviços), frisa o director. Os veículos são sempre estacionados em posição de saída, não se deve andar a pé “e toda a gente tem bicicleta”. Considera-se “desrespeito aos regulamentos circular fora dos passeios” e se uma chefia for apanhada a prevaricar, a penalização é maior, “porque tem de dar o exemplo”.

As condições de segurança estão “próximas das de uma central nuclear” e na sala de controlo, “que nunca dorme”, sete equipas de cinco pessoas, em três turnos de oito horas, asseguram em permanência que nada falha e que os componentes armazenados em mais de uma centena de tanques (de um total de 156, que incluem 18 de crude, com reservatórios maiores que a arena do Campo Pequeno) são misturados na medida certa para garantir a qualidade dos produto finais, sejam combustíveis, óleos ou químicos.

Apesar do protagonismo do hydrocracker, que converte estruturas moleculares complexas e longas (gasóleo de vácuo) em estruturas moleculares mais simples compatíveis com os motores diesel actuais, a refinaria não se esgota nele. Este “complexo de fábricas que tenta tirar do crude tudo o que pode” foi inaugurado em 1978 e hoje é composto por 34 unidades, agrupadas em cinco grandes fábricas: a original, a de cracking de gasolinas (o primeiro upgrade, em 1994), o hydrocraker, a unidade de movimentação de produtos (que gere os tanques) e a unidade de cogeração que produz a electricidade consumida na refinaria e que também vende à rede.

Se em 1971 a localização foi escolhida tendo em conta a construção de um porto de águas profundas, hoje essa continua a ser uma das “principais vantagens competitivas” da refinaria, diz Martinho Correia. É esse porto, “na mais movimentada rota de petroleiros mundial”, que se destaca como a grande porta de saída das exportações portuguesas (embora o escoamento da produção esteja também assegurado pelo pipeline de ligação ao parque logístico de Aveiras).

De acordo com António Teixeira, responsável pelo Terminal de Granéis Líquidos de Sines (TGLS), “90% do movimento” é assegurado pela refinaria (entre exportações e entrada de matéria-prima). “Com capacidade para navios com 28 metros de calado e 300 mil toneladas”, o terminal pode acolher seis de cada vez e entre 700 a 800 por ano. Em 2013 movimentou 17,2 milhões de toneladas de carga e registou um volume de negócios de 18 milhões de euros. Para acompanhar a reconversão da refinaria, também beneficiou de investimentos de 7,5 milhões de euros.

A paragem para manutenção, em Março (que reduziu em 45% as exportações da Galp no primeiro trimestre e fez abrandar as exportações portuguesas), ganhou estatuto próprio na região. Quem precisasse de canalizadores ou electricistas já sabia que tal só seria possível “depois da paragem”, conta Martinho Correia. O processo custou 60 milhões de euros, envolveu 300 empresas e 4300 pessoas (de 40 nacionalidades), que garantiram negócio durante mês e meio à hotelaria e restaurantes da região.

 Só na montagem dos andaimes (iniciada em Janeiro) participaram portugueses, espanhóis e franceses. Daí que as refinarias europeias se tenham de articular nas paragens, “porque os profissionais não chegam para todas”. Em Sines, se tudo correr bem, as máquinas só voltarão a parar daqui a cinco anos, mas três anos antes as equipas vão começar a planear a interrupção, para que a margem de erro seja reduzida a zero. Por isso, Palha da Silva faz questão de dizer que “os engenheiros são o cimento” da refinaria. Há aqui um património de conhecimento da engenharia portuguesa sem o qual nada disto seria possível”, conclui.

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