VerificaçãoA prova dos factos

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Contas de Angela Merkel não batem com a realidade ODD ANDERSEN/AFP

"Em países como a Grécia, Espanha e Portugal, as pessoas não devem poder ir para a reforma mais cedo do que na Alemanha. Todos temos de fazer um esforço, isso é importante, não podemos ter a mesmo moeda, e uns terem muitas férias e outros poucas", Angela Merkel

Num esforço para responder aos apelos de uma opinião pública que revela dúvidas em relação ao apoio financeiro dado pela Alemanha aos países periféricos da zona euro, Angela Merkel parece não ter escolhido os indicadores mais correctos.

Tanto ao nível das férias que são gozadas, como da idade a que é pedida a reforma, a Alemanha, mostram os indicadores publicados pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico, não apresenta um cenário de maior exigência e austeridade.

A líder do executivo alemão disse que gregos, espanhóis e portugueses "não devem poder ir para a reforma mais cedo" do que os alemães. As estatísticas disponíveis revelam que isso não acontece neste momento. Segundo os dados publicados este ano pela OCDE, relativos a 2009, a idade legal de reforma é exactamente igual na Alemanha, Portugal, Espanha e Grécia: 65 anos. A diferença é que, na Alemanha, já foi aprovada legislação que prevê a subida para 67 anos, mas esta deve ser feita, de forma muito progressiva, entre 2012 e 2029.

Mas, mais importante do que a análise da idade legal de reforma é a da idade em que efectivamente as pessoas se reformam, uma vez que nesse caso já se levam em conta eventuais incentivos existentes na lei, ou para antecipar a idade da reforma ou para adiá-la. E, neste capítulo, a Alemanha não é o exemplo que Merkel pretende apresentar. No caso dos homens, em média, a idade efectiva de reforma é de 61,8 anos, diz a OCDE. Nas mulheres de 60,5 anos. Números mais baixos do que os registados em Portugal, onde a idade efectiva de reforma é de 67 anos nos homens e 63,6 anos nas mulheres. A Grécia e a Espanha registam também valores ligeiramente acima dos alemães.

E, nos últimos tempos, os países periféricos têm adoptado medidas que podem levar a uma subida significativa da idade de reforma efectiva. Em Portugal, a reforma do sistema de segurança social realizada em 2005 faz depender o valor da pensão a receber da evolução da esperança de vida. Se esta aumentar, um trabalhador terá, se quiser receber a reforma por inteiro, de trabalhar durante mais tempo, para lá dos 65 anos. Na Grécia, o Governo adoptou, no âmbito do programa de ajuda financeira, medidas destinadas a limitar o número de reformas antecipadas.

Merkel deixou também a entender, nas suas declarações de ontem, que uns países têm muitas férias (os periféricos) e outros poucas (Alemanha).

No que diz respeito ao número mínimo de dias de férias e aos feriados, Portugal tem, de facto, uma legislação mais generosa do que a Alemanha. Em Portugal, cada trabalhador tem no mínimo 22 dias de férias, mais três, no caso de não ter faltado no ano anterior. Na Alemanha, o mínimo assegurado é de apenas 20 dias, o mesmo que a Grécia e menos dois que a Espanha. Em Portugal, ao longo do ano, também há mais três feriados que na Alemanha.

No entanto, mais uma vez, entre o que está definido na lei como mínimo e aquilo que acontece efectivamente, há diferenças importantes. Segundo os dados da OCDE, nos acordos realizados na contratação colectiva (que na Alemanha têm um grande peso), o número médio de dias de férias anuais ascende a 30 dias, mais do que os 24,5 de Portugal ou que os 23 dias da Grécia.

Este é um dos factores, em conjunto com o facto de o número de horas de trabalho semanal na Alemanha ser inferior aos dos países periféricos, que faz com que, em todas as estatísticas disponíveis, o país governado por Angela Merkel seja um dos que menos horas anuais por trabalhador apresenta. De acordo com a OCDE, na Alemanha, cada trabalhador está ao serviço em média por ano 1380 horas. Em Portugal, esse indicador chega às 1719 horas. E, na Grécia, a principal visada das críticas de Merkel, supera as 2000 horas. Aparentemente, não é por trabalharem pouco tempo que os países periféricos estão em crise.

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