Dívidas que se tornaram incobráveis? Mea culpa, deviam admitir os credores

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Problema é mais grave no sector da construção manuel roberto

Ter uma rotina organizada de cobranças, recolher cuidadosamente informação sobre os clientes e recorrer a ajuda externa quando se torna necessário são passos importantes

Se as dívidas ficam por pagar e afectam a vida financeira da empresa, a responsabilidade é do cliente que não entregou o dinheiro, certo? Errado, respondem os especialistas em cobrança de dívidas: muitas vezes a culpa também pertence aos credores.

"Na verdade, as empresas portuguesas, em regra, aguardam demasiado tempo para recorrer aos meios judiciais de recuperação de créditos", reconhece Anabela Pereira de Oliveira, sócia da BPO Advogados. Por outro lado, muitas PME "acabam por conceder crédito a clientes que não conhecem e nem sequer recorrem à consulta online, por puro desconhecimento, das listas públicas de execuções extintas e das listas públicas de devedores à Fazenda Nacional e à Segurança Social".

Ora, esta "aceitação pacífica" do não cumprimento de prazos e a falta de procura de informação sobre os clientes têm consequências desastrosas em Portugal. Os relatórios realizados anualmente pela Intrum Justitia, um grupo especializado na gestão de créditos, atiram sistematicamente Portugal para o grupo dos piores no que respeita ao risco de pagamentos, entre 25 países europeus. Actualmente, 31 por cento dos pagamentos fazem-se a mais de 90 dias, e o total de dívidas incobráveis já ultrapassa 5000 milhões de euros (3,2 por cento das facturas emitidas).

O problema é mais grave na construção civil, sector "que tem visto mui-?tas empresas a serem declaradas insolventes nos últimos dois anos", especifica por seu turno Anabela Pereira de Oliveira, em resposta a questões do PÚBLICO.

Conhecer o cliente

Cláudia Pestana e Paulo Castanheira Martins, da BPO Advogados, explicaram numa acção de formação realizada pela Associação Comercial de Lisboa, na última quarta-feira, que são muitas as diligências que as empresas podem tomar para se precaverem e para assegurarem a recuperação do dinheiro que tarda em chegar (ver caixa). Um exemplo? Elaborarem uma ficha para cada cliente, periodicamente actualizada, onde a informação mais importante é desde logo o número de identificação fiscal (NIF), pois permite obter informações importantes na Internet, que são de acesso público.

Por outro lado, se os atrasos nos pa-?gamentos se arrastam, convém avan-?çar depressa para tribunal, avisa Anabela Pereira de Oliveira. "Se se apurar que a empresa [devedora] revela sinais de grandes dificuldades, podemos concluir que o ideal será reagir no prazo máximo de duas a três semanas após o incumprimento", aconselha a advogada. Isto porque as Finanças e a Segurança Social "accionam muito rapidamente" quem está em falta, pelo que outros credores podem não chegar a tempo.

O mais desejável é também entrar com uma acção executiva a tempo de?evitar que a empresa entre em processo de insolvência. "Em sede de in-?solvência, obviamente que o património da empresa é insuficiente para cobrir todo o passivo, pelo que em sede de graduação, se não ficar posicionado nos primeiros lugares, difícil se torna receber alguma coisa", lembra a sócia da BPO Advogados.

Mesmo no âmbito de um processo executivo, há cuidados importantes a tomar, explica por seu turno Paulo Castanheira Martins. Ter na sua posse um título executivo, que serve como prova de uma dívida por saldar, é uma grande ajuda para o Estado proceder desde logo à penhora dos bens e conseguir o dinheiro em poucos meses. Em regra, para dívidas até 30 mil euros, o tribunal "inicia imediatamente a execução dos bens" sem citação do devedor, apanhando-o de surpresa.

E as facturas?

Facturas vencidas não servem, mas um cheque, uma letra ou um acordo de pagamento da dívida a prestações são títulos executivos.

O factor surpresa também é decisivo quando o processo executivo parece um "beco sem saída", garante Paulo Castanheira Martins. Quando o tribunal conclui que não há património nem rendimentos para penhorar, por vezes foi porque os devedores fingiram que estavam desempregados. Quando recebem o despacho da extinção do processo, retomam "oficialmente" a vida normal e o emprego.

O que muitos nem sabem é que o credor pode "pedir a renovação da execução a todo o tempo (não há pra-?zo), indicando bens à penhora", quando antes a lei dava um prazo de três meses. Resultado? São apanhados e obrigados a descontar um terço do salário para pagarem a dívida.

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