União bancária divide governos da União Europeia

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O ministro da Economia espanhol, Luis de Guindos (de pé), com o comissário Oli Rehn, ontem em Bruxelas FRANCOIS LENOIR/REUTERS

Etapa crucial para a resolução da crise da dívida esbarra ainda em divisões que terão de ficar resolvidas até ao final do ano

Os países da União Europeia (UE) entraram ontem numa corrida contra o tempo para tentarem ultrapassar até ao fim do ano as suas divisões sobre as grandes linhas de uma união bancária encarada como uma etapa crucial para a resolução da crise da dívida.

O desacordo foi constatado depois de várias horas de negociações entre os ministros das Finanças dos 27 sobre a primeira vertente da nova união bancária, considerada a mais fácil: a construção de um mecanismo europeu único de supervisão do sector a cargo do Banco Central Europeu (BCE).

Uma nova reunião foi ontem marcada para a próxima quarta-feira para tentar um acordo que permita aos líderes dos 27, que se reúnem no dia seguinte, tomar as decisões finais.

A expectativa de países como Portugal, Espanha, França ou Itália é assegurar que o novo mecanismo de supervisão se torne operacional em Janeiro de 2013 pelo menos para os bancos "sistémicos" (os que podem pôr em risco, por contágio, a totalidade do sector na Europa), a que se seguirá ao longo do ano a totalidade dos 6 mil bancos da zona euro.

A urgência destes governos está ligada à decisão tomada pelos líderes europeus em Junho passado, que definiram a criação do novo sistema de supervisão único como a condição para que o Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE, o novo fundo de socorro do euro) passe a poder recapitalizar directamente os bancos em dificuldades sem agravar a dívida pública dos respectivos países. A Espanha será o primeiro país beneficiado com esta mudança.

Esta recapitalização directa destina-se, por seu lado, a quebrar o ciclo vicioso de contágio mútuo entre a dívida dos bancos e a dívida soberana dos Estados que é responsável pelo agravamento da crise do euro: por um lado, os bancos mais frágeis obrigam os governos a endividar-se para os salvar, como aconteceu na Irlanda e em Espanha; por outro, os países endividados apoiam-se nos seus bancos para se financiarem, fragilizando-os e voltando a endividar-se para os salvar, caso da Grécia.

"Não devemos perder a noção da razão da urgência [de alcançar um acordo]", afirmou o ministro português, Vítor Gaspar, durante o debate dos 27. "Queremos separar o risco soberano do risco bancário, e isso é crucial para conter os riscos sistémicos na zona euro e evitar possibilidades catastróficas. Se isto não é urgente, nada é", considerou.

A Alemanha tem arrefecido as expectativas dos parceiros com sinais de não ter pressa e de considerar que a criação do novo mecanismo de supervisão poderá impor uma alteração do tratado para separar a supervisão da política monetária do BCE, o que poderá levar meses. As hesitações de Berlim têm, no entanto, sobretudo a ver com uma relutância não assumida de perder o controlo sobre a supervisão dos pequenos bancos regionais de poupança (Landesbanken), cuja fragilidade constitui um segredo mal guardado.

Os alemães têm assim procurado limitar a responsabilidade do BCE apenas à supervisão dos grandes bancos sistémicos, o que vários outros países e a Comissão Europeia recusam. Bruxelas insistiu ontem em que o BCE terá de ter a responsabilidade pelas decisões finais, podendo a todo o momento chamar a si a supervisão de alguma instituição que considere problemática.

Os franceses, sobretudo, temem que os bancos sob alçada dos supervisores nacionais levantem suspeitas sobre a sua solidez e percam assim o acesso ao mercado do crédito interbancário, crucial para lhes permitir financiar a economia. Um outro problema bicudo refere-se à forma de associação voluntária ao novo sistema de supervisão único dos países da UE não membros do euro e que não têm por isso assento no BCE.

A proposta de compromisso que está na mesa cria um novo conselho de supervisão dentro do BCE independente do conselho de governadores (que decide a política monetária da zona euro) no qual todos os países da UE que participarem no sistema terão assento e direito de voto.

Mesmo se o compromisso prevê que este órgão assegurará o essencial das decisões, os estatutos do BCE obrigam a que seja o conselho de governadores a ter a responsabilidade última pelas deliberações finais. As negociações em curso incidem sobre a possibilidade de os países não membros do euro se dissociarem das decisões tomadas pelo conselho de governadores em que não participam, embora essa eventualidade deva implicar a sua suspensão de todo o mecanismo.

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