Trabalhadores estão a perder mais direitos em nome da austeridade

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Nos últimos cinco anos, a acção dos precários ganhou visibilidade manuel roberto

Direitos que levaram dezenas de anos a conquistar têm vindo a cair. Em nome da competitividade, da sustentabilidade do Estado e, recentemente, da austeridade

Salário mínimo congelado, trabalho pago a metade, possibilidade de os horários se estenderem para lá das oito horas diárias por acordo individual, subsídios de férias e de Natal suspensos na função pública. Além de alterações aos despedimentos, indemnizações mais curtas e cortes no valor e duração do subsídio de desemprego. Direitos que levaram dezenas de anos a conquistar têm vindo, nos últimos anos, a reduzir-se ou a mudar, em nome da competitividade, da sustentabilidade do Estado e mais recentemente da austeridade.

Será que a austeridade está a colocar os trabalhadores portugueses no caminho da perda de direitos fundamentais? Ou é mesmo preciso flexibilizar e libertar as empresas de custos que entravam o crescimento económico?

As respostas à segunda questão podem variar, mas em relação à primeira parece haver unanimidade. A pretexto da crise, as reformas laborais estão a ir mais longe do que nunca e os trabalhadores estão a perder direitos conquistados a pulso. E mesmo nos sectores políticos próximos do Governo há quem entenda, como o antigo ministro do Trabalho António Bagão Félix, que "num ou noutro ponto estamos a falar de uma liberalização excessiva".

"Independentemente da crise há dois pontos que temos que ter presentes. A legislação não é uma peça de museu, é dos ramos que exige uma constante adaptação aos novos contextos. O segundo ponto é que a legislação laboral tem na sua génese defender a parte mais fraca. Se vira do avesso alguma coisa estará mal", começa por dizer o ministro do Trabalho do Governo de Durão Barroso/Paulo Portas.

Para Bagão Félix, a flexibilização dos tempos de trabalho, a polivalência ou a mobilidade geográfica e funcional" têm mesmo que ser alteradas", para responder à evolução de uma economia sem fronteiras. Noutros casos não é assim. "O país não vai para a frente porque os despedimentos são mais baratos. As empresas precisam de flexibilidade para contratarem", realça.

"Sou defensor de uma flexibilização, mas num ou noutro ponto estamos a falar de uma liberalização excessiva", diz, reconhecendo que "aqui e acolá há algum exagero", como a eliminação dos feriados. Bagão Félix lamenta que as reformas estejam a pôr em causa a conciliação entre trabalho e família e não falem de pessoas. "Temos que recuperar o personalismo laboral", sustenta.

Já Elísio Estanque, professor universitário e investigador do Centro de Estudos Sociais de Coimbra, é mais dramático na análise às recentes alterações à legislação laboral. "Quando se mexe no Código do Trabalho é no sentido de retirada de direitos. O que teria sentido se houvesse uma demonstração de que os sectores com mais direitos são os que produzem menos", ironiza.

O sociólogo considera que as mudanças mais recentes, mas também as do passado, "agridem muitas das conquistas e a ideia de que a sociedade trazia bem-estar e dava segurança às pessoas". Este sentimento de insegurança é uma das razões que, segundo Elísio Estanque, leva que os trabalhadores aceitem estas mudanças, sem grandes convulsões.

"Paira sobre a cabeça dos trabalhadores a ideia de que retirar direitos é a coisa mais natural e mais necessária deste mundo. É como se fosse criminoso que os trabalhadores tenham alguma previsibilidade quanto às suas condições de trabalho e económicas", destaca.

É nesta ausência de previsibilidade que Jorge Leite, um dos maiores especialistas em direito laboral em Portugal, coloca a tónica. O jurista não tem dúvidas de que "as mudanças previstas na última reforma laboral estão a criar um clima de uma certa domesticação" e os trabalhadores perdem capacidade de organizar a sua vida e de participar. Os direitos dos trabalhadores, lembra, "devem-se à luta de milhões de anónimos". "Há algum retrocesso no domínio social, espero que se chegue a um novo entendimento social sobre aquilo a que cada um tem direito."

Do lado sindical, mesmo na UGT, que assinou o acordo de concertação social que serviu de base às mais recentes alterações ao Código do Trabalho, não há dúvidas. "Há um objectivo claro de perda de direitos", frisa João Proença, líder da central sindical, acrescentando que a ideia defendida pela troika é que "as empresas têm que ganhar competitividade à custa de salários e reduzindo os custos do despedimento".

Arménio Carlos, líder da CGTP, vai mais longe e fala numa "amputação gravíssima da democracia e da liberdade dos trabalhadores". "[As alterações] nada têm a ver com a competitividade, mas com o desequilíbrio das relações de forças", sustenta.

Para Arménio Carlos, o que está a acontecer no domínio laboral "é um acerto de contas com o passado" e lamenta que questões centrais estejam postas em causa, nomeadamente a segurança no emprego, a redução dos apoios sociaIs e no desemprego, a unilateralidade da gestão do tempo de trabalho, o ataque à contratação colectiva. "Tudo isto são questões que podem marcar o futuro do país e dos portugueses", avisa.

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