Para que serve um eurodeputado?

Qual o perfil ideal de um eurodeputado? O que têm andado a fazer, em concreto, os eleitos portugueses naquele turbilhão de viagens entre Bruxelas, Estrasburgo e Lisboa? No momento em que os principais candidatos às eleições europeias de 13 de Junho já partiram para a estrada, o PÚBLICO divulga as ideias-chave dos partidos concorrentes, faz uma apreciação crítica dos mais destacados entre os actuais eurodeputados portugueses, e aponta os grandes traços que distinguem os parlamentos nacionais e a grande assembleia - cruzada por múltiplos interesses contraditórios -na qual 626 homens e mulheres se pronunciam, de forma vinculativa, sobre praticamente todos os aspectos ligados ao quotidiano dos cidadãos eleitores dos 15 países da União Europeia.

Há deputados que passam pelo Parlamento Europeu (PE) tendo como única preocupação aproveitar os generosos subsídios disponíveis, de preferência reduzindo ao mínimo as deslocações a Bruxelas ou Estrasburgo.Há outros que se esforçam por criar o mito do deputado activo, multiplicando as declarações, as resoluções políticas e as intervenções de pouco mais de um minuto no plenário, esperando poder merecer alguma referência na imprensa do seu país.Há alguns, ainda, que procuram desenvolver a sua actividade de uma forma séria e sem espalhafato, mas que nunca conseguiram encontrar o seu espaço numa instituição particularmente complexa, uma verdadeira Babel de 626 deputados de 15 países exprimindo-se em onze línguas diferentes com interesses, culturas e tradições opostas.Há, finalmente, uma minoria muito reduzida que consegue aliar uma compreensão profunda da instituição - das suas potencialidades, como dos seus limites - com uma forte capacidade de trabalho, visão política e competência técnica, e tecer redes de cumplicidades com os seus parceiros de outras nacionalidades e grupos políticos. São estes deputados que conseguem influenciar de forma decisiva as posições do PE e, consequentemente, as decisões comunitárias.O elevado grau de exigência do PE aos seus deputados tem a ver a com as suas características próprias de instituição única no seu género. De facto, ao contrário dos parlamentos nacionais, a Assembleia europeia não está dividida entre uma maioria de suporte a um governo contra uma oposição. O PE não é, consequentemente, um parlamento de partidos, mas um conjunto de 626 deputados face a uma Comissão Europeia com poderes de apresentar propostas legislativas, mas não de as aprovar. Esta responsabilidade cabe ao conselho de ministros europeu, que reúne os 15 governos da União Europeia, em conjunto, cada vez mais, com o PE. A noção de poder e de oposição fica, assim, desde logo diluída num processo de decisão triangular, em que se cruzam múltiplos interesses contraditórios.O carácter multifacetado do PE é, aliás, perceptível nas suas decisões, que não obedecem a qualquer lógica pré-definida e provocam, frequentemente, grandes surpresas. De facto, embora estejam organizados em grupos parlamentares em função das grandes tendências políticas - socialistas, conservadores/democratas-cristãos, comunistas, liberais, verdes, eurocépticos, federalistas e extrema-direita -, os eurodeputados raramente geram o mesmo tipo de maiorias.Se é certo que nos grandes temas políticos, as decisões são invariavelmente "cozinhadas" entre os dois maiores grupos parlamentares - o Partido Socialista Europeu (PSE) com 214 membros, e o Partido Popular Europeu (PPE), de tendência conservadora/democrata-cristã, com 201 deputados -, as maiorias constroem-se e desfazem-se consoante os temas: nas recentes discussões sobre os fundos estruturais da Agenda 2000, por exemplo, o PE dividiu-se entre o Norte e o Sul; nos debates sobre questões sociais e de organização do trabalho, a clivagem é entre esquerda e direita; os temas económicos colocam muitas vezes os liberais contra os proteccionistas, ou melhor dizendo, a generalidade dos deputados alemães e ingleses contra os franceses de todas as tendências; os Verdes conseguem reunir o apoio de todos os deputados com preocupações ambientais quando se trata de definir normas industriais ou limites de poluição, mas aliam-se aos democratas-cristãos contra o resto do PE perante questões de manipulação genética, por exemplo.Do mesmo modo, enquanto a missão dos parlamentos nacionais está sobretudo ligada às grandes questões da organização do Estado, o PE é obrigado a pronunciar-se, de forma vinculativa, sobre praticamente todos os aspectos ligados ao quotidiano dos cidadãos, desde a definição dos limites autorizados para o ruído dos cortadores de relva ou para os corantes alimentares, às normas de qualidade da água ou da segurança dos "ferry-boats", passando pelas medidas de apoio à cultura da vinha e pelo programa de cooperação nuclear com a Ucrânia. De tal forma que, apesar de se reunir em sessão plenária apenas durante uma semana por mês - sendo o resto do tempo ocupado em reuniões de comissões parlamentares e de grupos políticos -, o PE é obrigado a decidir em cada sessão mais textos legislativos do que alguns parlamentos nacionais durante um ano inteiro.É por isso que para poder assumir plenamente o seu papel e poder influenciar as decisões comunitárias, frequentemente de elevada complexidade, um eurodeputado precisa de reunir algumas características técnicas e políticas muito particulares. Caso contrário, não tem alternativa no momento das votações senão ir a reboque do vizinho de bancada do mesmo grupo político, grego ou alemão, correndo o risco de assumir posições contrárias aos seus interesses. E, se, ainda por cima, não dispõe, como é o caso dos portugueses, da possibilidade de uma articulação permanente com o seu Governo no processo de definição do interesse nacional - uma situação em que os espanhóis e os ingleses estão em clara vantagem -, então a noção de deputado europeu eficaz é quase sinónima de "super-homem".É certo que os eurodeputados dispõem de alguns apoios decisivos para o seu trabalho, tanto ao nível dos grupos políticos em que se inserem, como dos seus assistentes pessoais, para cuja contratação o PE disponibiliza quase dois mil contos por mês a cada parlamentar. Em princípio, o deputado de um dos grandes grupos tem maior capacidade de influência que um parceiro de um grupo de 30 ou 50 membros, pela simples razão de que, se conseguir mobilizar os seus 200 companheiros de bancada para assumir uma determinada posição, fica com muito mais do que meio caminho andado. Teoricamente. O facto é que, antes, o deputado terá de ter despendido uma quantidade considerável de tempo e energia no complexo processo de tomada de decisão característico dos grandes grupos - verdadeiros parlamentos dentro do PE - e fragmentado em inúmeros estádios intermédios. E, uma vez mais, só os deputados reconhecidos como credíveis no tema em discussão têm alguma chance de lá chegar. A vantagem do número perde-se, no entanto, com relativa frequência, já que a generalidade dos grupos parlamentares, grandes como pequenos, tende a fracturar-se quando chega a hora das grandes decisões políticas.Em contrapartida, e mesmo se pesam incomparavelmente menos no processo de decisão, os grupos mais pequenos têm a vantagem de ser mais fáceis de mobilizar e, sobretudo, de proporcionarem aos seus membros maior visibilidade do que consegue a generalidade dos membros das formações maiores. Moral da história: um deputado mediano, mesmo num grande grupo, corre o risco de não ter qualquer influência no processo de decisão. Já um bom deputado de um pequeno grupo pode ter um peso superior à mera soma dos membros da sua família política. Entre os 25 deputados portugueses, há exemplos para todos os casos.

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