"Operação Ajax" : Como a América mudou o mapa do Médio Oriente em 1953

Para entender a "Operação Ajax", a mais bem sucedida tentativa da CIA para derrubar um governo estrangeiro, é preciso remontar a 1941. Mais precisamente a 16 de Setembro, quando Reza Xá, fundador da dinastia Pahlavi no Irão e simpatizante de Hitler, foi forçado pelas potências que combatiam a Alemanha nazi a entregar o Trono do Pavão ao seu filho, Mohammed Reza. Sem poder militar efectivo e com o país no caos, o jovem soberano (22 anos) tentou atenuar a pesada herança de um autocrático antecessor com medidas populares. Devolveu ao Estado uma parte da fortuna familiar, libertou presos e reduziu impostos. Também fez concessões aos teólogos xiitas, revogando uma das proibições impostas pelo pai, a de as mulheres usarem o "chador", túnica que as cobre da cabeça aos pés. A primeira década de reinado de Mohammed Reza foi de sobrevivência. A maior ameaça vinha do Tudeh, o partido comunista, pró-soviético, que defendia uma solução marxista para a desigual sociedade iraniana. Os seus 400.000 militantes eram intelectuais da classe média e operários de cidades industrializadas.Foi o Tudeh que, em 4 de Fevereiro de 1949, declarou guerra à dinastia Pahlavi, com quatro tiros disparados contra Mohammed Reza quando ele descia do seu Rolls-Royce para uma cerimónia na Universidade de Teerão. O imperador escapou à morte por um triz. O Tudeh foi ilegalizado.No ano seguinte, uma outra "guerra" começou: com a Anglo-Iranian Oil Company. A AIOC era um conglomerado dominado pela Grã-Bretanha desde que o petróleo começou a ser explorado em 1908. O contrato que o Xá assinou com a companhia era uma afronta aos súbditos - a AIOC pagava ao Irão direitos no valor de 45 milhões de dólares, mas Londres recebia 142 milhões de dólares de impostos sobre lucros.Em 25 de Novembro de 1950, uma comissão criada pelo Majlis (Parlamento) e presidida pelo carismático deputado Mohammed Mossadegh, um aristocrata da anterior dinastia qajar, rejeitou o acordo entre o Xá e a AIOC.A 15 de Março de 1951, o advogado Mossadegh, líder da Frente Nacional, convence o Majlis a nacionalizar, por esmagadora maioria, a AIOC. O Irão torna-se o primeiro país do Terceiro Mundo a desafiar os interesses económicos de uma grande potência. Em 29 de Abril, inquieto com uma opinião pública que rejubilou com a "restauração da soberania", o Xá oferece ao dissidente que o seu pai mandara prender o cargo de primeiro-ministro.Os patrões da AIOC foram rápidos a reagir à perda da maior e mais rica companhia inglesa fora do Reino Unido. Os jornais londrinos chamaram a Mossadegh "ladrão oriental", "fanático" e "louco extremista". Executivos da indústria petrolífera desdenharam da capacidade de os iranianos operarem os poços e refinarias do país. Pára-quedistas britânicos posicionaram-se em Chipre e navios de guerra foram enviados para o Golfo Pérsico. Ainda a recuperar dos efeitos devastadores da II Guerra Mundial, os britânicos pediram ajuda aos EUA para derrubar Mossadegh. Na altura, a Administração democrata de Harry Truman tentou estabelecer um compromisso entre Teerão e Londres, mas o primeiro-ministro iraniano não cedeu. Foi então que o Reino Unido anunciou um embargo ao petróleo iraniano nos mercados internacionais. O embargo, que gerou centenas de milhares de desempregados, foi devastador para a economia da antiga Pérsia. Mossadegh, o herói popular, começou a ser contestado e ameaçou virar-se para a URSS. Foi um erro fatal. O Ocidente, dependente do petróleo do Médio Oriente, ficou apavorado com a ideia de o Irão juntar forças com os vizinhos soviéticos.Em 1952, com os comunistas do Tudeh a controlar as ruas do Irão e o republicano Dwight Eisenhower na presidência dos EUA, a CIA começa a planear a saída de cena de Mossadegh. Washington, que encarava a situação sob a única perspectiva da Guerra Fria, temia que o Irão se pudesse transformar numa "segunda Coreia". No final de Abril de 1953, com a aprovação do seu director, Allen Dulles, e do embaixador dos EUA em Teerão, Loy Anderson, a CIA recruta Donald Wilber, um "perito em arquitectura persa", para preparar a "Operação Ajax", o golpe que haveria de restaurar a autoridade absoluta de Mohammed Reza. Em 13 de Agosto, seguindo contrariado instruções dos conspiradores americanos, o Xá mandou o coronel Nematollah Nassiri informar o seu primeiro-ministro que este tinha sido demitido. O mensageiro foi preso. O monarca refugiou-se em Kalardasht, nas montanhas sobranceiras ao mar Cáspio. O exército permaneceu nos quartéis.Em 16 de Agosto, uma rádio local noticiou o fracasso de uma tentativa de oficiais para depor Mossadegh. Um temeroso Xá foge do país, pilotando o seu bimotor até Bagdad. Dois dias depois segue para Roma, onde a embaixada iraniana lhe nega alojamento. Instala-se numa suite do Hotel Excelsior, emprestada por um industrial amigo. Com muito pouco dinheiro, torna-se uma espécie de exilado político, repetindo todavia que não abdicara do trono.Em Teerão, estava em marcha, desde Junho, a "Operação Ajax", liderada por Kermit Roosevelt, um operacional da CIA no Médio Oriente. Com muitos milhões de dólares para gastar, a principal agência de espionagem americana serviu-se dos contactos facilitados pelo MI-6 (serviços secretos britânicos) e subornou militares, comerciantes do bazar, políticos e outros para que participassem no golpe. Infiltrou-se em meios religiosos e patrocinou atentados. O objectivo era colocar na chefia do Executivo Fazlollah Zahedi, um general que os britânicos e os russos detiveram no passado por colaboração com os nazis, mas que Londres e Washington entretanto reabilitaram.Em 18 de Agosto, reagindo à contra-informação de que o Tudeh poderia formar o futuro governo, o exército saiu à rua para esmagar os manifestantes. Com os comunistas fora de cena, Kermit, neto de Theodor Roosevelt, organizou uma marcha em direcção ao gabinete do primeiro-ministro. Pelo menos 300 mortos foi o balanço de nove horas de confrontos com partidários de Mossadegh. Este é preso.Em Roma, o homem em cujo nome o golpe foi feito almoçava com a segunda mulher, Soraya, num restaurante do Hotel Excelsior. Desconheciam tudo o que se passava até que um jornalista da Associated Press lhes entregou um telex: "Mossadegh derrubado. Tropas imperiais controlam Teerão". O monarca exclamou: "Eu sabia que eles me amavam!" Mais tarde agradeceria a Kermit Roosevelt: "A Deus e a si devo o meu trono."De regresso à capital iraniana, o Xá ordenou o julgamento público de Mossadegh num tribunal militar. O réu não se deixou intimidar e denunciou, perante os aplausos da assistência, o golpe da CIA. Foi condenado a três anos de cadeia, por traição. Cumprida a pena, isolou-se numa quinta, em Ahmad-Abad. Morreu de cancro, em 1967, aos 85 anos. O soberano negou-lhe um funeral de Estado. O seu túmulo está num dos quartos da sua residência.Com o afastamento do homem que considerava os EUA "a única grande potência capaz de mudar o mundo a favor das nações que sofreram com o imperialismo europeu", só a religião foi capaz de novamente mobilizar as massas no Irão. Em 1979, neutralizados os democratas laicos, foi fácil ao "ayatollah" Ruhollah Khomeini destronar o Xá e lançar a sua sangrenta e anti-americana Revolução Islâmica. O ressentimento era imenso, gerado pela "Operação Ajax", mas também pelos biliões de petrodólares que Reza Pahlavi subsequentemente esbanjou em armas importadas dos EUA, e pelas mortes e torturas infligidas pela Savak - cruel polícia secreta treinada pela CIA e pela Mossad israelita.Dez anos depois da "TP Ajax" (verdadeiro nome de código da operação), um protegido da CIA, Saddam Hussein, foi também encorajado a derrubar, em 1963, um regime que nacionalizara interesses petrolíferos estrangeiros no Iraque. Em 1968, um segundo golpe, igualmente inspirado pela CIA, colocou Saddam como adjunto de um líder militar. Em 1979, Saddam tornou-se ditador de Bagdad.

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