Obama, o populista, e, mesmo assim, Obama

1. A sorte da economia americana é fundamental para o mundo. E não apenas pelo impacte que tem na sorte de todas as outras economias, mas porque dela depende, em última análise, a sorte da ordem internacional. Quando, há um ano, o Presidente Obama falou do "momento Sputnik" da sua geração, colocando a tónica na capacidade da América em manter a liderança científica e tecnológica, estava também a referir-se a este desafio: como manter o estatuto de garante da ordem internacional perante a emergência de novas grandes potências que desafiam esse papel e que avançam rapidamente nesses domínios de excelência que garantiram a força da América. Um ano depois, a sorte da economia americana é também fundamental para a reeleição do Presidente que terá de desafiar as "estatísticas políticas" segundo as quais a possibilidade de garantir o segundo mandato é inversamente proporcional à taxa de desemprego. Obama colocou-a no âmago do seu terceiro discurso do Estado da União.

Há um ano, a meio do mandato, foi um discurso sobre como "ganhar o futuro". Este ano sobre como "construir para durar". O que Obama disse nos dois discursos sobre como a economia americana depois dadébâclede 2008 não foi substancialmente diferente. A retórica com que formulou essa visão é que mudou substancialmente. Obama, o "racional" e o "centrista", deu lugar a Obama, o populista. Disposto a injectar uma dose de "sangue, suor e lágrimas" nas suas propostas políticas. Simplificando a mensagem. Falando, sem nunca os mencionar, aos 99% que o movimento Occupy Wall Street simboliza.

Foi um discurso sobre a equidade como condição para restaurar o "sonho americano". Que falou pouco da dívida ou do défice e que falou muito de impostos. Não há outro caminho para combater as desigualdades e para financiar a economia. Um hábil exercício entre um novo enfoque e a velha substância, que estabeleceu uma clara ligação entre a força da economia e a força da classe média, invocando os anos do pós-guerra. "Nenhum desafio é mais urgente. Nenhum debate é mais importante". O caminho é o inverso dos últimos trinta anos. "Opor-me-ei a todos os esforços para regressar às mesmas políticas que levaram a esta crise económica." A partir de agora osbail-outsão para as pessoas, não são para Wall Street.

Em Janeiro de 2011, poucos meses depois de os republicanos lhe terem roubado a maioria no Congresso e terem anunciado a sua nova política de "obstrução" para paralisar a Casa Branca, Obama voltou a pôr a tónica no bipartidarismo e aceitou enfrentar alguns dos temas dos seus adversários, o primeiro dos quais o do endividamento. O "momento Sputnik" era a conciliação possível entre os estímulos à economia e a "montanha da dívida". Desta vez, a tónica é claramente posta na diferença. "É uma grande questão para o Presidente, algo que a sua base política reclamava há muito", disse à Reuters o estratego democrata Bud Jackson. "Ele começou a avançar para uma abordagem mais combativa de forma a evidenciar um maior contraste com os republicanos". Obama não tinha outra escolha.

3. Finalmente, o Presidente tirou os dividendos conseguidos ao nível da política externa para colocá-los também ao serviço da economia. Em Janeiro de 2011 pôs a tónica na educação e na ciência para competir com a pujança das economias asiáticas. Agora acrescentou que as regras do jogo do comércio internacional têm de ser iguais para todos os jogadores. Enquanto constrói uma cuidadosa rede de alianças em torno da China e declara que os Estados Unidos continuam presentes no Pacífico, o Presidente não hesita em tocar a corda a que a classe média americana é mais sensível: pôr regras na concorrência e trazer empregos de regresso a casa. "Não ficarei a olhar enquanto os nossos concorrentes não jogarem segundo as regras". Anunciou a criação de uma unidade especial de combate à contrafacção e a violação das regras do comércio internacional.

Retomou o tema da "reconstrução da nação americana" a partir do fim de uma guerra - no Iraque - e do início do fim de outra - no Afeganistão. Os recursos libertados serão repartidos entre o abate à dívida e a reconstrução das infra-estruturas e a aposta nas energias limpas. Retirou o Irão do campo do adversário. "Que não haja dúvida, a América está determinada a impedir que o Irão adquira a arma nuclear e não retirarei nenhuma opção de cima da mesa até conseguir esse objectivo". O Irão será a questão internacional mais difícil de gerir até à reeleição. "Sim o mundo está a mudar. Não, não podemos controlar todos os acontecimentos. Mas a América continua a ser a nação indispensável nos assuntos internacionais - e, enquanto eu for Presidente, tenciono manter as coisas assim." A resposta ao declínio e ao recuo. A mesma visão com palavras diferentes.

Obama entrou no imaginário presidenciável dos americanos quando em 2004 terminou o seu discurso à Convenção Democrática desafiando: "Não haverá mais estados vermelhos e estados azuis, apenas Estados Unidos da América". Substituiu a imagem dos estados americanos pela da equipa dos SEAL que eliminou Bin Laden. "É um Presidente democrata envolvendo-se na bandeira e rodeando-se da imagem da disciplina e da unidade dos militares", disse Jon Alterman do Centre for Strategic and International Studies.

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