O novo programa dos Gato Fedorento e a velha estratégia de humanização e redenção do primeiro-ministro

A entrevista a José Sócrates aumentou as expectativas em torno de Gato Fedorento Esmiúça os Escrutínios. Programa não deve influenciar eleições

a O formato é novo em Portugal, mas a postura do primeiro-ministro não. É a opinião do politólogo André Freire, do crítico de televisão Jorge Mourinha e do professor do Departamento de Ciências de Comunicação da Universidade Nova Francisco Rui Cádima ouvidos pelo PÚBLICO no rescaldo do primeiro Gato Fedorento Esmiúça os Sufrágios. Os portugueses viram ontem à noite um José Sócrates confortável, experiente nas lides da comunicação pública, frente ao autor de uma das mais bem sucedidas caricaturas do primeiro-ministro nos últimos anos. Gato Fedorento Esmiúça os Sufrágios, em directo, estreou-se ontem às 21h25 na SIC e a novidade do formato e o regresso do quarteto humorístico foram marcados pela entrevista ao primeiro-ministro. Para Jorge Mourinha, a presença de Sócrates como primeiro convidado aumentou ainda mais as expectativas em torno do novo dispositivo televisivo dos Gato. "O reencontro entre Sócrates e Ricardo Araújo Pereira (RAP) mais pareceu um acto de contrição do actor político em relação ao seu caricaturista (com a contrária também a verificar-se)", comenta Cádima, que viu o "animal político feroz" em "versão doce e soft". "Evidentemente que esta humanização do político não se faz sem custos, sobretudo para o humor", postula.
O modelo do programa, inspirado no Daily Show de Jon Stewart, contou com uma primeira parte com o grafismo a fazer humor - "Manuela Aljubarrota" -, com os comentadores Gato Fedorento Tiago Dores, Miguel Góis e José Diogo Quintela (JDQ), e com apanhados de notícias dos últimos dias - o TGV, os dichotes de Alberto João Jardim ou o refrão das PME.
Depois, chega José Sócrates, elogioso com RAP e com a garantia de que tinha prometido aos filhos que ia "ser simpático" com os Gato Fedorento. O "fã" dos humoristas foi confrontado com uma primeira pergunta servida por "alta tecnologia": RAP saca do Magalhães e comenta os casos que envolveram o computador. O projecto Magalhães "correu lindamente", afiança José Sócrates.
Jorge Mourinha, que considerou essa entrada "extraordinária", acha que os Gato se debatem com problemas de expectativas, criadas pela promoção da SIC e porque "a comparação com o Daily Show é incontornável e, apesar de haver coisas inspiradas, jogaram pelo seguro. Estão a tentar fazer os quatro, sozinhos, aquilo que se faz lá fora com 30 pessoas e o programa será sempre afectado por isso".
Sucederam-se as questões sobre a contestação dos professores, a confissão de que José Zapatero é o seu "melhor amigo" na Europa, que Berlusconi lhe deu conselhos de moda e que mantém o "respeito institucional" por Cavaco Silva. Até houve um "porreiro pá". No final, RAP pergunta ao primeiro-ministro se pode acabar com o Jornal da Noite de Clara de Sousa porque ela estacionou no seu lugar na SIC. "Não sei se serei capaz", responde um José Sócrates sempre sorridente, sugerindo que o caso (uma referência ao fim do Jornal Nacional da TVI com Moura Guedes) "talvez seja uma oportunidade para falar com ela", remetendo por fim a questão para autarquia. "Esteve impecável, saiu-se bem nessa resposta", comentou JDQ. Mas foi "como um cometa", uma questão "nano mini micro" sem tempo "para consolidar uma crítica", nota Cádima.
"Este tipo de programas, sobretudo se os entrevistados estão à vontade como é manifesto que o engenheiro Sócrates esteve - é um profissional -, dão a oportunidade de humanização e de introduzir algum humor na campanha", refere o politólogo André Freire. "Pode-se pensar que ele tem aquilo muito bem estudado, correu tão bem", sugeriu, levantando-se a questão se os temas são combinados previamente. Na semana passada, RAP brincava dizendo que, "a haver qualquer coisa, devia ser mantido entre nós e os convidados. Tem a ver com a magia dos bastidores". Freire notou que "a primeira parte foi sobre uma ausente, a dr.ª Ferreira Leite, que, com Alberto João Jardim, dominou as rábulas, o que significa pelo menos que, na perspectiva dos Gato, eles lhes trarão mais matéria". Sobre a entrevista, "não foram especialmente contundentes, mas se calhar não era suposto".
Sem efeitos no voto
Quanto aos efeitos da presença dos líderes partidários e das rábulas políticas no novo programa dos Gato nas intenções de voto, André Freire e Francisco Rui Cádima não acreditam que haja grandes consequências nos resultados eleitorais, mesmo numa contenda renhida como esta. JDQ frisa que se tal acontecesse, "ficaria muito preocupado" - "O nosso objectivo é que o programa seja humoristicamente válido", frisava ontem ao PÚBLICO. Mas o politólogo refere que na estratégia de campanha de Sócrates, que "era uma personalidade mais crispada, hirta e que agora anda muito descontraído, faz operações de charme, esta humanização talvez venha contribuir como uma peça nessa construção, que todos os políticos fazem".
Dia 16 é a vez de Paulo Portas, depois Francisco Louçã, segunda-feira Jerónimo de Sousa e depois Joana Amaral Dias, Manuel Alegre, Maria José Nogueira Pinto, Paulo Rangel, Marcelo Rebelo de Sousa, Manuel Pinho, Santana Lopes e António Costa. Hoje é a vez de Manuela Ferreira Leite estar no Gato Fedorento, possivelmente também com gravação prévia da entrevista por compromissos de campanha. "Esta é a pior altura para eles fazerem isto", reconhece José Diogo Quintela. Mas para os Gato é a melhor.

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