O Amour de Haneke arrebatou a Palma de Ouro de Cannes

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A surpresa foi não haver surpresa e Michael Haneke voltou a exibir a Palma de Ouro VALERY HACHE/AFP

Júri de Nanni Moretti confirmou o favorito da edição 2012, e premiou igualmente Matteo Garrone, Ken Loach e Carlos Reygadas, num palmarés que reflecte uma das melhores edições recentes do certame

E vá de Nanni dar a volta aos prognósticos. Amour, de Michael Haneke, era o filme preferido da maior parte da imprensa em Cannes 2012, edição à qual não faltou grande cinema (e que alguns dizem ter sido a melhor em muitos anos). Mas o cineasta de A Pianista já tinha ganho a Palma de Ouro em 2009 com O Laço Branco e Nanni Moretti, presidente do júri, com reputação de jurado maquiavélico, podia assestar os holofotes noutro filme. Com 22 entradas a concurso, não faltavam possibilidades.

Na volta, a surpresa foi não haver surpresa. Amour foi mesmo o vencedor, com a segunda Palma de Ouro para Haneke e uma "menção muito especial", na cerimónia dos prémios, ao trabalho fundamental dos seus actores, Emmanuelle Riva e Jean-Louis Trintignant (que, retirado dos ecrãs há mais de uma década, aceitou regressar apenas para este filme). E há até uma peculiar simetria com a Palma de Ouro de 2011: à celebração do amor, da "graça" e da "natureza" de A Árvore da Vida, de Terrence Malick, vencedor no ano passado, Haneke confronta uma celebração do amor de um casal idoso, quando a esposa tomba em estado terminal.

O restante palmarés, paradoxalmente, foi ao mesmo tempo previsível e surpreendente. Ninguém duvidava que o dinamarquês Mads Mikkelsen, que já foi vilão de James Bond (em Casino Royale) e é um homem inocente manchado por uma falsa acusação de pedofilia em The Hunt, de Thomas Vinterberg, partia favorito para melhor actor. O júri confirmou.

Desconfiava-se que o novo filme do romeno Cristian Mungiu (Palma de Ouro por 4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias) não sairia de mãos a abanar. Foi o único a bisar no palmarés: melhor argumento e melhor actriz, este entregue ex aequo a Cosmina Stratan e Cristina Flutur, no papel de duas amigas separadas pela religião.

Muitos desejavam ver The Angel"s Share, a comédia de Ken Loach (Palma de Ouro por Brisa de Mudança) sobre desempregados de Edimburgo e uma golpada com whiskies, no palmarés. Os jurados fizeram-lhes a vontade com a "medalha de bronze", o Prémio do Júri, e Loach, velho resistente, enviou nos agradecimentos os seus votos de solidariedade para com os resistentes europeus à austeridade económica.

Mas o olhar ácido do italiano Matteo Garrone (Gomorra) sobre a cultura dos reality shows televisivos, Reality, caiu mal no goto dos festivaleiros - e o Grande Prémio do Júri (o "segundo lugar" do pódio) foi por isso uma surpresa. E o prémio de realização ao mexicano Carlos Reygadas pelo pouco linear Post Tenebras Lux foi também uma afirmação em apoio de um dos filmes mais radicais e incompreendidos do certame - mesmo que, como Moretti admitiu na conferência de imprensa após a cerimónia, tivesse sido um dos filmes que mais haviam dividido o júri.

Com apenas sete prémios para 22 entradas (e o regulamento a impedir mais do que dois prémios a um mesmo filme), haverá sempre alguns que ficam de fora. E se poucos irão contestar o prémio máximo a Amour, muitos irão perguntar-se por que é que, por exemplo, o palmarés ignorou o "caso" Holy Motors, o regresso do enfant terrible francês Léos Carax, que ganhou o embalo de ser "o" filme de que todos falavam. Sem surpresas, Moretti revelou na conferência de imprensa que fora um dos filmes que tinham dividido o júri - e mais não disse.

O palmarés do ano 65 de Cannes completa-se com os prémios menos visíveis das secções paralelas. A Câmara de Ouro (melhor primeiro filme no conjunto de todas as secções competitivas) foi para a estreia do americano Benh Zeitlin, Beasts of the Southern Wild. A Quinzena dos Realizadores e Un Certain Regard deram os seus prémios principais à América Latina, com a Quinzena a galardoar No, do chileno Pablo Larraín, e Un Certain Regard a escolher Después de Lucía, do mexicano Michel Franco.

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