Lésbica conta como fez inseminação artificial caseira

Quis ser mãe e recorreu ao método mais usado por quem quer procriar sem ter relações com um homem. Em Portugal, será a primeira a contar a sua história

a Tem pouco mais de 40 anos, chama-se Beatriz Duarte e foi mãe há cerca de uma década. É lésbica assumida, hoje como o era na altura, quando, em meados dos anos 90, decidiu ser mãe. Numa atitude rara no Portugal de então, Beatriz Duarte fez inseminação artificial caseira, ou seja, gerou em si uma criança através de espermatozóides doados, sem contacto físico com um homem."Nos anos 90 era cedo de mais para fazer isto em Portugal, a minha consciencialização de que o podia fazer foi através do Clube Safo [organização de defesa dos direitos das lésbicas]", diz Beatriz Duarte, sublinhando que "só a partir de 2000 é que começou a haver mais lésbicas a usar este método e a recorrer a clínicas". "Das pessoas que conheço, dentro do meio, fui pioneira", garante. É, também, das primeiras a contar publicamente, com o nome próprio, a sua história.
Com uma imensa tranquilidade na voz, Beatriz Duarte explica ao PÚBLICO que na altura estava só, nem sequer tinha companheira, como não tem hoje: "Decidi fazer isto porque, como qualquer outra pessoa, desejava ter filhos. Cheguei a inscrever-me para um processo de adopção, mas é demorado. Tomei conhecimento desta técnica e arranjei um dador."
Desassombrada, assume com nome e com apelido que fez aquilo que muitas lésbicas portuguesas têm feito. Recorrem a inseminação caseira ou, quando o dinheiro o permite, recorrem a uma clínica no estrangeiro.
Beatriz Duarte explica, passo a passo, como tudo se passou: "O dador não era amigo, foi alguém indicado por uma associação. Depois tive de fazer testes de saúde e de me encontrar com o dador, não conseguia recorrer a um dador anónimo. Tinha de avaliar o carácter, a maneira de estar na vida".
O momento-chave foi a própria inseminação. Beatriz relata: "Encontrámo-nos num hotel. Eu saí do quarto. Ele fez o que tinha a fazer e deixou o sémen num frasquinho. Ele saiu. Eu entrei, sozinha. Coloquei um tubo - daqueles de alimentação de soro - em mim e com uma seringa tirei o sémen do frasco e injectei na outra ponta do tubo. Esperei um pouco deitada, com as pernas mais altas. É um processo simples, para quem não tem problemas de infertilidade. Tive sorte de engravidar logo à primeira".
Não há pais incógnitos
Como muitas das lésbicas que fazem inseminação artificial em privado ou em clínicas, Beatriz Duarte projectou uma maternidade em que a criança seria filha de pai incógnito. Esse facto, porém, obrigou-a a responder perante a justiça, pois o Código Civil proíbe-o desde o 25 de Abril, como forma de protecção das crianças e das mães.
"À partida, seria filho de pai anónimo", explica Beatriz Duarte, acrescentando: "Toda a conversa prévia e toda a gravidez se passou na certeza de que seria anónima e eu não teria revelado o nome do pai, mesmo se o Ministério Público tivesse investigado. Depois, perguntei ao dador se aceitava dar o nome e ele aceitou. Fiz isso no sentido de que a criança não fosse tão discriminada, pensei nas consequências que existiriam para ela em ser filho de pai incógnito".
Mas isso foi depois. Durante a gravidez, sentiu a discriminação de ser mãe sozinha: "No hospital, assumi que não sabia quem era o pai. É difícil, pois as pessoas olham-nos de for-
ma estranha, acham que somos devassas. Enfrentei, mas depois achei que não podia discriminar o meu bebé. Ele aceitou. Era casado e a mulher sabia".
A família
Foi depois de tudo isto que se apaixonou e manteve uma relação de dez anos com uma mulher e com ela criou o bebé. Hoje é com a ex-companheira e com a família de ambas que conta para a criar. "Tenho a vida ocupada do ponto de vista profissional, trabalho muitas vezes ao fim-de--semana. Mas tenho ajuda para tratar da criança. A minha criança tem uma família alargada, quer de sangue quer afectiva, relaciona-se com a família da minha ex-companheira, com os seus avós e tios."
Considerando-se uma pessoa "um pouco tímida", Beatriz Duarte conta que o tempo livre que tem passa-o com o seu filho, com quem vive, mais um cão e gatos. Além disso diz que se interessa "um pouco por tudo". E pormenoriza: "Leio jornais, livros. Leio bastante nas férias. A imprensa diária leio na Internet. Gosto de ouvir música, gostava de ouvir mais, ouço música generalista, brasileira, instrumental e clássica". Como hobby tem um blogue e procura ir ao ginásio - "não tenho conseguido ultimamente". E resume: "Sou uma pessoa como outra qualquer. Trabalho, durmo. Tenho os dramas de toda a gente".

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