Governos de coligação nunca chegaram ao fim de uma legislatura em 35 anos de regime democrático

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Mário Soares e Mota Pinto lideram o Governo do Bloco Central CARLOS LOPES/arquivo

A tendência do regime para o bipartidarismo que surge a partir de 1991 entrou em queda nas eleição legislativas de há dois anos

a A única certeza comum aos períodos pré e pós-eleitorais destas legislativas é que o próximo governo vai ser de coligação e que as dificuldades que se aproximam imporão consensos entre os três partidos do arco da troika. Mas também é verdade que até hoje nenhum governo de coligação cumpriu uma legislatura completa. E apenas o primeiro Governo da Aliança Democrática levou até ao fim o seu mandato de um ano, entre as eleições intercalares de 1979 e as eleições legislativas de 1980.

Em 35 anos, apenas quatro dos 17 governos constitucionais chegaram ao fim de uma legislatura. Três eram de maioria absoluta (Cavaco Silva em 1987-1991 e 1991-1995 e José Sócrates em 2005-2009) e um de maioria relativa (António Guterres em 1995-1999). Na história dos casamentos falhados destacam-se três coligações que caíram, apesar de terem o apoio da maioria dos deputados: o segundo Governo da AD (Pinto Balsemão, entre 1981 e 1983), o Bloco Central (Mário Soares, entre 1983 e 1985) e a coligação PSD-PP (Durão Barroso e Santana Lopes, entre 2002 e 2005). Um mau augúrio para o governo de crise que começou a ser negociado depois das legislativas de ontem?

Vale a pena tentar enquadrar historicamente estes casos de governos com dificuldades para cumprir calendário até ao fim. Na sua primeira versão, a geometria variável dos equilíbrios partidários do regime não favorecia os governos monopartidários, que a evolução do regime mostraria serem os únicos capazes de resistir no poder. Não admira que o primeiro Governo constitucional, socialista, tenha durado pouco (1976-1977) e que o mesmo tenha acontecido ao primeiro executivo de coligação (PS-CDS, 1977). O sistema partidário era então um quadrado e o CDS e o PCP eram muito mais fortes do que são hoje: em 1976 o CDS representava 16 por cento dos eleitores, enquanto o PCP chegou por vezes aos 18 por cento (1979 e 1983) e foi durante anos a força mais votada nos distritos de Setúbal, Évora e Beja.

Rumo ao bipartidarismo

O Governo do Bloco Central, que corresponde à segunda intervenção do Fundo Monetário Internacional no país e a um período de enorme crise social, marca o ponto em que o regime começa a evoluir para um paradigma bipartidário. Nunca até hoje nenhum governo representou tantos eleitores (63,3 por cento). A crise de 1983-1985 trouxe, no entanto, a entrada em cena de um novo partido, o PRD, de inspiração presidencial. Na eleição de 1985, que Cavaco Silva vence com menos de 30 pontos percentuais, o partido eanista surge como a terceira força (17 por cento) e rouba metade do eleitorado ao PS, que nesse ano obtém o pior resultado de sempre. Os renovadores acabarão, porém, por ser as primeiras vítimas do cataclismo que desencadearam, pela forma como exploraram o descontentamento gerado pelas medidas impopulares do Bloco Central. Em 1987, os 17 por cento do eleitorado que tinham viajado do PS até ao regaço dos eanistas, entram de novo em movimento para dar a Cavaco Silva o primeiro governo maioritário de um só partido em Portugal.

O Estado "laranja" de Cavaco, que nasce com essa maioria absoluta, esmaga à sua direita o CDS (reduzido então a quatro deputados, o célebre "partido do táxi", quando em tempos tivera mais de 40) e começa o declínio do PCP, que deixa de ser um partido de dois dígitos em 1991 (obtém 8,8 por cento dos votos). Com Álvaro Cunhal fora do activo e o fim do Bloco de Leste anuncia-se a morte iminente do PCP. Mas duas décadas depois, os comunistas mantêm-se numa ordem de grandeza semelhante à de 1991. Quanto ao CDS, a partir de meados dos anos 1990 foi reemergindo através da transformação do partido em CDS-PP e da liderança de Paulo Portas (e, numa primeira fase, de Manuel Monteiro, antes de cair em desgraça, quando deixou de ser o avatar do ex-director de O Independente).

A regra da rotatividade

Apesar disso, o mundo era do Bloco Central. Em 1991, PSD e PS somados representavam 79,7 por cento dos eleitores - muito mais do que quando Mário Soares e Mota Pinto tinham governado o país. A partir daqui, a rotatividade é a regra: Guterres sucederá a Cavaco em 1995, mas nunca conseguirá a maioria absoluta e retira-se ao fim de seis anos. A direita regressa ao poder em 2002 com a coligação PSD-CDS, liderada por Barroso primeiro e Santana Lopes depois. Caiu por intervenção presidencial sem acabar o mandato. Foi a segunda vez desde a revisão constitucional de 1982 que um presidente fez cair um governo dissolvendo a AR. A primeira verificara-se em 1987, quando Soares rejeitou a coligação PS-PRD e abriu caminho à maioria absoluta de Cavaco.

O Bloco Central ainda representava mais de 70 por cento dos eleitores, quando José Sócrates conquista a primeira maioria absoluta para o PS e numa altura em que o Parlamento voltara a albergar cinco partidos, com o Bloco de Esquerda a entrar já no eleitorado comunista.

Mas a eleição de 2009, ganha por Sócrates sem maioria absoluta, é também a do enfraquecimento do Bloco Central. Com Bloco e CDS a crescerem, PS e PSD já só representam 65,7 por cento dos eleitores, o valor mais baixo desde... 1985.

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