Governo não conseguiu melhor oferta para a TAP

Decisão sobre privatização, que tem como único candidato Efromovich, será tomada hoje. Se o Governo aceitar a oferta, a TAP jamais será a mesma

Só há uma certeza. O Governo quer vender e Efromovich quer comprar. A grande dúvida que hoje se vai colocar, quando a oferta final do milionário aterrar no Conselho de Ministros, é se os interesses das duas partes coincidem. Ou se colidem. Se voar das mãos do Estado, a TAP vai tornar-se numa companhia muito diferente, para bem e para o mal. Mas se a decisão for suspender a venda o problema não fica resolvido. Mais cedo ou mais tarde, a empresa terá de ser comandada por um investidor privado.

Como o PÚBLICO noticiou há duas semanas, a proposta do único candidato na privatização da transportadora aérea será hoje analisada pelo executivo de Passos Coelho. O investidor apresentou uma oferta superior a 1,5 mil milhões de euros, dos quais apenas 35 milhões vão entrar nos cofres públicos. A restante fatia será usada para recapitalizar a companhia, cujos capitais próprios (diferença entre activo e passivo) estão negativos em cerca de 400 milhões, e para assumir a dívida (que agora ronda os mil milhões). "Desde que o investidor apresentou a última proposta no final da semana passada, não saíram quaisquer melhorias das negociações", disse ontem à noite ao PÚBLICO o secretário de Estado dos Transportes, Sérgio Monteiro, apesar das tentativas portuguesas de levar um melhor negócio a Conselho de Ministros. Não é claro neste momento o que, exactamente, o governo de Passos Coelho quis e não conseguiu.

Sendo central, o dinheiro que Efromovich está disposto a pagar nunca foi o factor único do negócio. Há outras peças em jogo quando o Governo se sentar à mesa para decidir o futuro da TAP. A salvaguarda do hub (placa giratória) de Lisboa é uma delas, assim como garantias em relação à manutenção das rotas que ligam Portugal às comunidades, mesmo que não sejam rentáveis. E há ainda outra carta: a deficitária empresa de manutenção no Brasil, de cujos problemas o executivo quer rapidamente lavar as mãos.

Se o milionário colombo-brasileiro conseguir concretizar o "casamento", como se tem referido à compra da TAP, é certo que a transportadora - que sucessivos governos tentam privatizar há mais de 20 anos - vai mudar. O que se sabe para já das intenções do "noivo" leva a crer que fará da companhia nacional uma porta para a Europa das suas operações na América Latina.

Efromovich detém, através do grupo Synergy, a Avianca Brasil (o primeiro negócio que criou no sector) e 67% do grupo Avianca, que surgiu da fusão entre a colombiana Avianca e a peruana Taca. Para Kenneth Button, professor da George Mason University (EUA) e um dos maiores especialistas mundiais na indústria da aviação, não há outra alternativa para a TAP que não unir-se ao milionário, face à situação financeira da empresa e à concorrência que enfrenta, com alianças estratégicas a acontecer por toda a parte.

A TAP "já precisa há muito tempo de se envolver num negócio desta dimensão" porque "lhe dará um estatuto global", acredita. O futuro passará por "novas rotas para a América do Sul", que servirão os destinos europeus onde a empresa já hoje tem ligações, o que reforçará o hub de Lisboa, prevê, acrescentando que mercados como África deverão permanecer intocados pelo potencial de crescimento que têm.

Mas Button alerta para um risco: para que estas previsões se tornem realidade é preciso que "se invista muito nas operações da TAP". Efromovich já disse que tem dinheiro para gastar na companhia, nomeadamente na frota de Airbus encomendada (e em parte já paga) e que chegará em 2015. Caso o pedido não seja antecipado, só nessa altura a empresa ganhará asas para crescer, pois os aviões mais novos (mais económicos) têm cinco anos.

O problema é que, ao mesmo tempo que investe, o milionário deverá avançar com uma dieta forçada para modelar a transportadora às suas ambições. "A história recente da Avianca mostra um realismo empresarial duro muito focado no corte de custos", diz o professor norte-americano. Efromovich deixou claro, numa entrevista ao PÚBLICO, que um dos pontos a que dará especial atenção são os acordos firmados com os 13 mil trabalhadores da TAP. Também Gavin Eccles, especialista no sector e consultor da Neoturis (think tank português da área do turismo), diz que o controlo de despesas é dos primeiros passos a dar. "No início, nada mudará. Mas depois de alguns meses haverá uma avaliação do negócio na Europa numa perspectiva de redução de custos".

A rede da TAP na Europa é, aliás, a grande preocupação para Eccles porque este mercado "está a perder dinheiro". O especialista diz mesmo que, se for privatizada, a transportadora aérea estatal poderá adoptar uma estratégia que outras concorrentes europeias lançaram: criar modelos específicos para estes destinos, assentes nas viagens low cost, como fez a Lufthansa com a Germanwings ou a KLM/Air France com a Transavia. "A TAP não fez nada ainda em relação a isto, mas não estou certo de que a Synergy nada faça", diz.

O consultor acrescenta ainda que as promessas em relação à manutenção da marca TAP ainda terão de ver a luz do dia, já que o histórico de Efromovich, que terá de ficar pelo menos dez anos com a TAP, aponta noutra direcção. "Está a mudar todas as empresas que compra para o nome Avianca", diz. A brasileira Ocenan Air tornou-se Avianca Brasil e a peruana Taca desapareceu, recebendo igualmente o nome da colombiana Avianca.

A privatização da companhia de aviação nacional, que ficou inscrita no memorando de entendimento assinado com a troika, tem gerado um grau de contestação que não se verificou noutros negócios, como o da venda de mais de 20% da EDP à China Three Gorges, no início deste ano, ou a alienação de 100% da gestora aeroportuária ANA, sobre a qual o Governo se pronunciará a 27 de Dezembro.

A oposição tem pedido repetidamente a suspensão do processo, como aconteceu ontem à noite na comissão de Economia e Obras Públicas, onde o ministro da Economia foi ouvido. PS, BE e PCP acusam o Executivo de falta de transparência e falam da perda de um activo estratégico a "preço de saldo". Álvaro Santos Pereira, que se esquivou às perguntas alegando a confidencialidade a que está obrigado por causa das negociações, rejeitou as acusações.

Também os trabalhadores da empresa, que começaram ontem uma vigília junto ao Conselho de Ministros, têm protestado contra os planos do Governo, queixando-se de não terem sido ouvidos ao longo de todo o processo. Ontem, e após sucessivos pedidos de audiência, o secretário de Estado dos Transportes recebeu os sindicatos, que saíram da reunião com a certeza de que a venda da TAP irá para a frente.

Também ontem um grupo de 55 economistas (no qual se inclui Francisco Louçã, ex-líder do BE, e o professor João Ferreira do Amaral) divulgou um manifesto no qual pede que, tanto a TAP como a ANA, permaneçam públicas, argumentando que se trata de "bens estratégicos para a economia portuguesa". O Governo defende esta opção argumentando que há exigências das autoridades externas; que a companhia está impossibilitada, por regras comunitárias, de receber dinheiro do Estado, e que tem hoje 400 milhões de capitais próprios negativos.

Há, porém, quem encontre nestas justificações "um escape para explicar algo que é inexplicável". São as palavras de João Cravinho, o ex-ministro do Governo PS de António Guterres que negociou o primeiro acordo para vender parte da TAP, em 1997, com a Swissair (que caiu por terra três anos depois, com a falência desta empresa). "Tal como na altura, o Governo deveria ter avançado logo com uma condição essencial: que o Estado ficasse com uma participação no capital que permitisse salvaguardar os interesses do país", como acontece com algumas companhias europeias, como a Air France. "Quem vende 100% não pode ter a pretensão de continuar a mandar."

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