Eucaliptos, ervas e prédios crescem no meio de parte dos aeródromos que Miguel Relvas e Passos Coelho queriam encher de técnicos especializados

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Na pista de Oliveira de Frade divertem-se hoje os motards da zona ENRIC VIVES-RUBIO

Podia chamar-se roteiro da desolação, ou rota da vergonha. Se outras rotas, porventura mais vergonhosas, não marcassem o dia de hoje nos caminhos de Portugal. De Monfortinho, na raia dos contrabandistas sérios, que faziam pela vida e com risco dela em plena ditadura, a Albergaria-a-Velha, no coração do litoral que exauriu esta terra e hoje definha à nossa vista, é de ficção que se fazem os aeródromos e as helipistas que Relvas e Passos Coelho quiseram preparar para enfrentar a Al-Qaeda.

Em 2004, havia na região Centro cinco aeródromos municipais (Monfortinho - concelho de Idanha-a-Nova, Covilhã, Proença-a-Nova, Viseu e Coimbra) e dois heliportos (Guarda e Albergaria-a-Velha). Para eles, a Tecnoforma, de que o actual primeiro-ministro era consultor, e Relvas, que patrocinou a ideia, sonharam um futuro de muitos aviões, passageiros e técnicos formados por aquela empresa. A esses juntaram ainda o de Aveiro, que era militar e por isso não elegível para financiamento do Fundo Social Europeu, facto que omitiram. E o de Oliveira de Frades, que era municipal, mas não constava da candidatura que conseguiram fazer aprovar.

Nessa altura, os aeródromos da Covilhã, Viseu e Coimbra eram os únicos, entre os municipais, em que aterrava uma ou outra avioneta e que empregavam uma dezena de pessoas. Os outros eram pistas no meio do nada, destinadas sobretudo ao combate aos fogos florestais. A de Monfortinho e de Oliveira de Frades já estavam, aliás, desactivadas, embora os autarcas locais também aí sonhassem com "charters de turistas" e com a sua ampliação. Quanto às helipistas da Guarda e Albergaria eram pequenas infra-estruturas, sem pessoal, que serviam apenas para situações de emergência.

Passados oito anos o panorama é ainda mais desajustado em relação aos planos que o Estado aprovou à Tecnoforma e que só por circunstâncias alheias aos promotores da operação não custaram 1,2 milhões de euros.

A meia dúzia de quilómetros das Termas de Monfortinho, uma cancela de ferro retorcida tem a inscrição "Aeródromo Feliciano de Sousa". Por trás, sem vedações nem edifícios de apoio, estende-se uma pequena pista de terra batida onde crescem ervas e até um eucalipto. Mais a norte, em Viseu, em cujo aeródromo chegou a haver um restaurante e um terminal que até tinha um jardim infantil com aviões em miniatura, já mais nada faz pensar em viagens aéreas. A câmara, que nunca se interessou pelo projecto da Tecnoforma, apesar de o seu aeródromo ser referido na candidatura, acabou com ele e vendeu os terrenos à Portugal Telecom.

Agora, no meio da ampla pista asfaltada elevam-se enormes gruas e cresce todos os dias um gigantesco complexo de vários andares onde a PT vai instalar o seu Centro de Processamento de Dados. Há meses, o escândalo passou por lá quando os sindicatos denunciaram as miseráveis condições em que ali ganhavam a vida centenas de imigrantes, sobretudo africanos e asiáticos. Já em Viseu, os três funcionários camarários que frequentaram os cursos da Tecnoforma continuam no seu posto. A cuidar, como sempre, das duas ou três aeronaves que, em média, ali pousam por dia. "Os cursos nunca foram terminados e nós nunca recebemos a certificação prometida. Nunca mais nos disseram nada", diz um deles. De há oito anos para cá nada mudou. Trinta ou quarenta quilómetros a oeste, em Oliveira de Frades, a anedota risca mais uma vez a paisagem. Uma varola de eucalipto apodrecida marca a entrada no território do Aeródromo da Pedra Furada. Um pavilhão rudimentar, com portas de chapa e completamente vazio, tem uma placa que assinala a sua inauguração, em 1989, por "sua Excelência o ministro do Planeamento", Valente de Oliveira. A pista, aberta à custa de enormes e dispendiosos movimentos de terra no meio dos pinhais, está coberta de alcatrão, mas há muitos anos que não vê roda de avião. E as ervas lá vão aparecendo, a par do lixo. Finalmente, Albergaria-a-Velha, às portas de Aveiro. A helipista, onde a câmara também nunca teve qualquer funcionário, não tem um movimento. Está para ali, no meio de uma zona industrial. Podia servir para apressar o socorro a operários. Mas até estes estão em vias de acabar. Num país de desempregados não há acidentes de trabalho.

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