"Esta Europa não é reformável", diz Jerónimo de Sousa

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"O grande problema é que este Governo está direccionado para servir os grandes interesses"

Jerónimo de Sousa defende a reindustrialização, mas determinada pelo Estado. E afirma que a União Europeia "é determinada pelo capital financeiro"

O PCP tem como lema do Congresso a expressão "Democracia e Socialismo" e nas teses são patentes os elogios aos países comunistas do antigo Bloco de Leste. O secretário-geral, Jerónimo de Sousa, garante que o PCP continua a não seguir modelos de socialismo, mas sublinha que "nenhum erro, nenhuma violação ou deformação da legalidade socialista", que tenha acontecido nos últimos anos do regime, esconde "uma evolução espantosa" conseguida nos países socialistas em termos de direitos económicos e sociais.

Nas teses mantêm a recusa do federalismo. E dizem explicitamente que a União Europeia "não é reformável". A conclusão é que deve acabar?

A Europa de coesão, solidária, que foi proclamada como objectivo, hoje não é nada disso. Hoje, a Europa é determinada pelo capital financeiro e pelos grandes grupos económicos. Está determinada por um directório de potências. Esta Europa, com estes objectivos e esta composição, não corresponde aos interesses da população. Esta Europa não é reformável.

Querem um retorno aos princípios fundadores?

Defendemos uma Europa de coesão, de respeito mútuo, de afirmação da soberania de cada nação.

Portugal deve sair do euro?

Hoje, a questão não é só a saída, mas a ameaça de expulsão. Não colocamos a saída como objectivo. Para nós, a questão é Portugal precisar de um desenvolvimento soberano, compete ao povo português decidir o seu devir colectivo.

Nas teses mantêm que não há modelos para o socialismo, posição que o PCP tem desde 1988. Mas agora dizem que houve "trágicas derrotas do socialismo na União Soviética e nos países do Leste da Europa" e que na URSS houve uma "nova sociedade" que conheceu "tempos de desenvolvimento". Isto, há vinte anos, não era dito. Há um aligeirar do discurso crítico do PCP em relação ao que foi o socialismo do Leste?

Mantemos como actuais as análises dos erros e dos desvios do socialismo. Mas há duas questões que gostaria de sublinhar nos tempos que correm. Primeiro, a constatação de que com a Revolução de Outubro houve avanços fascinantes em termos de direitos dos trabalhadores, da igualdade entre mulheres e homens, de Segurança Social, de avanços económicos. E nenhum erro, nenhuma violação ou deformação da legalidade socialista, que se verificou posteriormente, pode esconder que naquela região houve uma evolução espantosa em termos de direitos económicos e sociais, que levaram os próprios países capitalistas, nomeadamente os mais próximos, a terem de reconhecer direitos, para não se porem em contraponto com a própria sociedade socialista em construção.

E hoje?

Agora, a estes anos de distância desde as derrotas do socialismo, é possível hoje, perante um capitalismo sem freio nos dentes, que procura recuperar todas as parcelas de domínio perdido nesses países - mas também à escala planetária, porque a ofensiva é global -, é possível falar do trágico que foi para essas populações essas derrotas.

A China tem hoje comportamentos idênticos aos dos países capitalistas, nomeadamente na aquisição de empresas de outros países e no empréstimo de dinheiro a juros idênticos aos do mercado capitalista. O que é que distingue a nível externo os dois modelos?

Em relação às privatizações em Portugal, a nossa posição é clara, seja para capital chinês, seja para capital alemão, seja para capital brasileiro, seja para capital angolano, estamos em profundo desacordo, não por causa da origem, mas da privatização em si, do prejuízo que representa para o país a entrega desses sectores estratégicos ao estrangeiro.

E a China?

Há relações comerciais no quadro de um mercado capitalista, isso tem de ser considerado. O problema não é os chineses defenderem os interesses da China, o problema é que os governos portugueses não têm defendido os interesses de Portugal.

Por falar em interesses de Portugal, o ministro da Economia recuperou a ideia da reindustrialização do país. É um caminho para Portugal?

É decisivo. É isso que referimos quando falamos na necessidade do aumento da produção, no aumento de riqueza. Portugal tem recursos de subsolo que dariam para dois PIB. Estamos a falar de ouro, de prata, de cobre. Temos o maior filão de cobre da União Europeia, mas que é arrancado e transportado em bruto. Porque não é feita a transformação cá?

Então há um encontro de objectivos de reindustrialização entre o PCP e o PSD?

O problema é que o ministro declara isso mas depois não faz nada.

De acordo com o PCP devia ser o Estado a fazer a reindustrialização, é isso?

Obviamente. Por que é que o Estado não impõe que o cobre seja transformado no nosso país? Criando mais postos de trabalho, criando mais riqueza, criando mais-valia.

No Congresso, que novidades haverá na direcção? Est?? prevista renovação? Nomeadamente a subida ao CC dos novos deputados?

Está previsto que o Comité Central (CC) seja reduzido. Mas o Comité Central no próximo fim-de-semana vai propor a lista.

Tem 65 anos e é secretário-geral há oito. Quando vai ser substituído?

Um dia. É uma tarefa de grande exigência. Mas o que considero é que num quando tão difícil como o que o nosso povo está a viver, num quadro de grande exigência de resposta, de resistência, pensando na construção de uma vida melhor, eu, com a idade que tenho, quero dizer que, independentemente das responsabilidades que possa ter no futuro ou não ter, a minha disposição é a de continuar a lutar pelos trabalhadores, pelo povo a que pertenço.

Não lhe estamos a chamar velho, mas o PCP defendeu o limite de 65 anos de idade na direcção da CGTP. Razão pela qual, por exemplo, Carvalho da Silva saiu da liderança. Esse princípio não devia ser defendido também para o PCP?

Há uma diferença substancial. A CGTP é uma organização sindical em que os quadros são trabalhadores e o seu vínculo profissional termina aos 65 anos. E as direcções sindicais são feitas com trabalhadores no activo. Embora com 50 anos de descontos para a Segurança Social, mais dois de Guerra Colonial, já pudesse reformar-me, é uma opção [não o fazer]. E enquanto o meu partido entender que sou preciso, cá estarei.

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