Constâncio desdramatiza recessão económica

O governador do Banco de Portugal traçou ontem, no Parlamento, um diagnóstico optimista da conjuntura económica, relativizou argumentos oficiais usados com algum dramatismo e atribuiu ao Governo parte da responsabilidade pelo "afundamento da economia". Mas, por outro lado, frisou que, no curto prazo, não há margem orçamental e que serão necessárias medidas extraordinárias de "dimensão significativa" para cumprir o Pacto de Estabilidade. Uma afirmação que contraria a vontade da oposição de aumentar o investimento público para combater a recessão, mas também do Governo que anunciou para 2004 uma redução da carga fiscal das empresas. Vítor Constâncio foi à Assembleia da República na sequência da intenção da maioria de adiar a divulgação pública das previsões do Banco de Portugal para depois do debate do Estado da Nação, na próxima sexta-feira. A oposição considerou que era essencial conhecer antes essa análise. Ontem, o retrato que Constâncio fez aos deputados foi o de que considerar que se trata de "uma fase de ajustamento", "temporária", tal como aconteceu em 1983-85 e 1993-1994. E que não existe nenhum obstáculo na Balança de Pagamentos para a retoma futura, ainda que ela surja, mais pujante, apenas em 2005. Até lá, a economia não recuperará terreno face à economia europeia. O governador do Banco de Portugal relativizou inclusivamente a importância de alguns pontos antes assinalados no passado pelo próprio banco central, como a questão do endividamento dos agentes económicos e o necessário ajustamento das suas poupanças, do endividamento da banca ao exterior ou das questões estruturais da competitividade. Constâncio pareceu querer dar um sinal optimista, de uma forma mais positiva do que se tem verificado no passado recente que os agentes económicos logo denotam a sua presença à passagem para este novo discurso oficial do banco central. Défice externo foi racionalO défice externo "deveu-se ao sector privado" que, racionalmente, aproveitou a baixa pronunciada das taxas de juro da zona euro para investir, consumir e aumentar a sua riqueza. À medida que os seus saldos financeiros se foram reduzindo, o saldo da economia reduziu-se igualmente, tal como está a acontecer presentemente, mesmo sem retoma da procura externa. A evolução recente do consumo e investimento "era inevitável, previsível". "Crise orçamental" teve "efeito muito negativo"Para a recessão, contribui "um efeito muito negativo da explicitação da crise orçamental portuguesa", por parte do Governo. "Afectou bastante as expectativas e contribui para o afundamento da economia". "Tentei contrariar essa percepção, mas é difícil". "O país foi objecto de uma declaração solene externa a dizer que o país estava em falta"."Gerou-se um pessimismo". Foi um efeito "em grande parte psicológico". O arrefecimento externo fez o resto. "A alteração da política orçamental não contribuiria para anular esse efeito".O desemprego vai crescer ainda maisMembros do Governo, como o ministro Bagão Félix, afirmaram que o desemprego em 2003 já tinha batido no fundo. "Infelizmente", respondeu Constâncio, "não é o ponto mais baixo". "Os indicadores são insuficientes para mostrar a perspectiva de que este processo chegou ao fim". "Vai continuar" com essa tendência e, daí, sublinhou, a importância de políticas activas de emprego e de apoio às famílias. Balança de Pagamentos não é obstáculoConstâncio questionou a "angústia que alguns têm vivido, de que estaríamos numa nova crise da Balança de Pagamentos e com dificuldades acrescidas para sair desta situação recessiva". "Não estamos nem estivemos em situação de Balança de Pagamentos" em ruptura, "nem a Balança de Pagamentos constitui um obstáculo ao crescimento económico ou que temos problemas estruturais de falta de competitividade que vai constituir um obstáculo intransponível à retoma mais sólida". Não há problemas com "o défice externo que de externo tem pouco", sintetizou. "Tudo o que a ministra das Finanças fizer terá o meu apoio"Para o governador, o Governo, no passado, não aproveitou os momentos mais altos da economia para consolidar as finanças públicas. Mas em 2002, "o ajustamento orçamental foi relativamente reduzido". O exercício de 2003 é "mais exigente ao nível das despesas" e, segundo os dados actuais "torna-se impossível cumprir o défice inicialmente previsto". Mas "Portugal não tem peso nem dimensão para infringir o Pacto". Isso seria "correr muitos riscos e não os devemos correr". "Não temos de ser extremos defensores, nem críticos do Pacto". Para isso, "vão ser necessárias novas medidas do lado das receitas", que são "indispensáveis". "Tudo o que a ministra das Finanças fizer terá o meu apoio", afirmou ainda. Mas podem "inventar-se" medidas extraordinárias "uma vez, duas vezes, mas não todas as vezes". Uma delas seria a possível integração do fundo de pensões dos Correios na Caixa Geral de Aposentações, mas "vai depender do que for a interpretação dos regulamentos por parte do Eurostat" e se parte desses fundos não vieram de receitas de privatização. Mas "independentemente da questão do reflexo orçamental, a situação das pensões nos CTT coloca um problema ao Estado". Nem investimento nem choque fiscalEsta conjuntura impede maiores gastos anti-cíclicos ou mesmo as medidas de reduções fiscais para as empresas, anunciadas pelo Governo. "Não existe na actual fase margem de manobra nem para programas e despesas de investimento ou baixa de impostos que não sejam compensados com cortes de despesa"Banca sem problemas "Não existe nada de anormal no chamado endividamento externo da banca e que alimenta um conjunto de crédito" à economia. "Queria sublinhar este ponto porque, por vezes, é mal avaliado em muitas análises que podemos ler". O nível de transformação dos depósitos em crédito é semelhante aos de muitos países europeus e o peso dos custos no produto financeiro é o melhor da União Europeia em 2001. A rendibilidade compara bem com as dos seus parceiros e a solvabilidade está em 9,6 quando o mínimo regulamentar é de oito. Mas "vamos entrar numa fase mais exigente em que a rendibilidade vai sofrer" com isso. Quando a retoma vier e as taxas de juros subirem, com mais crédito malparado, será necessário outras receitas (comissões).

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