Ambiente de tensão entre Governo e PSD com TGV a ameaçar 2011

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Sócrates ouviu críticas de todas as bancadas da oposição daniel rocha

José Sócrates pediu estabilidade. O PSD respondeu que o Governo não terá uma "terceira oportunidade". A crise fica de portas escancaradas para o próximo ano

O ensaio foi feito, manhã cedo, pelo presidente do PSD, Pedro Passos Coelho, numa reunião com a bancada "laranja": o Orçamento do Estado de 2011 é a última oportunidade para José Sócrates. A meio da manhã, na abertura do debate, Miguel Macedo, líder parlamentar, dava o passo em frente, já depois de o primeiro-ministro ter pedido "estabilidade" para 2011. "Não haverá uma terceira oportunidade." Quem assistisse à discussão de ontem no Parlamento - tensa, crispada - ninguém diria que, há apenas quatro dias, Governo e PSD assinaram um acordo para viabilizar o Orçamento.

Nem o PSD nem José Sócrates pouparam nas críticas. O espírito pode sintetizar-se numa frase de Luís Montenegro (PSD) dirigida ao Governo: "Pobre e mal-agradecido." Nem faltaram ao debate os dois temas - TGV e o "buraco" de 500 milhões de euros - que podem ameaçar o já frágil ambiente de entendimento.

Explique-se tudo. E por partes. Na reunião da bancada, Passos Coelho leu uma mensagem do ministro Teixeira dos Santos ao negociador do PSD, Eduardo Catroga, em que o Governo se comprometia a efectuar os cortes de 500 milhões na despesa para compensar as mudanças ao OE acordadas com o PSD. E pedia que desse conhecimento desse facto ao partido.

"O PSD fica a saber", concluiu Passos Coelho numa reunião pacífica e em que assumiu os "riscos" de uma estratégia que passou por ameaças de "chumbo". No debate, Macedo também endureceu o discurso: "Agora, o Governo tem o seu Orçamento, não tem álibis nem desculpas. Se por incompetência, incapacidade ou incúria falhar na execução do OE, a responsabilidade é exclusivamente sua."

O regresso de Manuela

No debate, José Sócrates garantiu que os cortes de 500 milhões serão obtidos pela "redução da despesa pública primária em todos os ministérios", mas também pelo "aumento da receita não-fiscal, com novos projectos" (ver texto nesta página). Depois, aos jornalistas, explicou: uma parte das receitas virá de novas concessões de projectos que deveriam ter avançado e que estão atrasados. E deu o exemplo do concurso das mini-hídricas que "só avançará em 2011". Outra parte, segundo o primeiro-ministro, virá da alienação ou da reorganização do património do Estado, onde é possível "fazer melhor" com a gestão patrimonial na administração pública e nas empresas públicas.

O TGV foi o segundo tema em que o executivo e o PSD desafinaram. A bandeira do PSD nas últimas legislativas será incontornável no discurso de Manuela Ferreira Leite, a ex-líder que fará a intervenção de fundo no último dia de debate na generalidade do OE. A reavaliação das parcerias público-privadas e grandes obras, como o TGV, obtida no acordo, foi classificada de "patriótica", nas palavras de Pedro Duarte (PSD). Sócrates é que não alinha nesse discurso. Reavaliar, sim, mas o primeiro-ministro acredita que serão mais os benefícios do que os custos e defendeu a sua construção. Ou seja, é uma divergência que ameaça voltar em 2011.

Pelo CDS, Paulo Portas justificou o seu "não" ao Orçamento do Estado. "Só na aparência é o Orçamento soberano, mas na verdade inaugura a fase do protectorado", começou por explicar. O aumento de impostos, a falta de credibilidade do cenário macroeconómico, a ausência de política económica e o empobrecimento das classes mais baixas e da classe média foram alguns dos argumentos apresentados pelo líder do CDS-PP. Portas voltou a não poupar o primeiro-ministro: "A sua continuação nesse nobre posto de serviço público é uma ruína para os portugueses". Mas também não isentou o PSD de críticas por "dar a mão ao país". "Escapa-nos a lógica de viabilizar um Orçamento, atirando Portugal para uma recessão, criando mais desemprego e permitindo que este primeiro-ministro, que ameaçou demitir-se, ficar tranquilamente no seu cargo", apontou o líder do CDS.

À esquerda, as bancadas insistiram nas consequências sociais das medidas duras do Orçamento. E não deixaram que o PSD se demarcasse da proposta governamental.

Jerónimo de Sousa, líder do PCP, tinha um rótulo pronto para pôr no Orçamento do Estado de 2011: "Um orçamento já mastigado, mas que continua intragável". O líder comunista tentou desmontar o discurso do primeiro-ministro em torno da coragem que aplica ao orçamento. É coragem", foi questionando Jerónimo, "ir ratar mais" aos subsídios de desemprego, ou congelar as pensões ou "cortar nos ordenados"? Quando falta a "coragem", na sua descrição, para tributar mais a banca ou para enfrentar "a política de direita" ou os "mandatários do capital".

Pelo Bloco de Esquerda, o líder parlamentar José Manuel Pureza, explicou o voto contra da sua bancada: este Orçamento "faz mal à democracia". Pureza não deixou de fazer referências acusatórias à actuação do Presidente da República nas negociações entre o Governo e do PSD. Ao mesmo tempo, apontou o dedo à bancada "laranja": "Por mais que sacuda a água do capote, o PSD ficará associado a um desastre".

Para Heloísa Apolónia, deputada do Partido Ecologista "Os Verdes", a proposta de Orçamento do Estado é "um autêntico crime social", ao propor "diminuição de salários, congelamento das pensões e diminuição absoluta das prestações sociais".

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