Adjunto de Relvas que trocou mensagens com ex-espião demite-se

Adelino Cunha, já no ministério, ajudou Silva Carvalho no episódio do envelope com informação sobre as conversas telefónicas do jornalista Nuno Simas

O caso das secretas fez a primeira vítima política. Adelino Cunha, adjunto do ministro Miguel Relvas, pediu ontem de manhã a demissão na sequência da divulgação do seu nome no processo das secretas que deixou de estar em segredo de justiça.

De acordo com os autos do processo, em Setembro de 2011, Adelino Cunha e Jorge Silva Carvalho - que fora até Novembro de 2010 o chefe do SIED - Serviços de Informações Estratégicas de Defesa -, trocaram mensagens sobre o episódio da alegada violação de um envelope que fora reencaminhado ao espião pelo Parlamento contendo informações sobre os casos das secretas. Tratava-se de um envelope sem remetente que fora recebido pelo deputado socialista Sérgio Sousa Pinto, contendo cópia dos registos telefónicos do então jornalista do PÚBLICO, Nuno Simas, e dois e-mails enviados por Silva Carvalho.

Com este procedimento, Silva Carvalho teria como objectivo, segundo admitiu ao PÚBLICO uma fonte do Ministério Público, desacreditar o conteúdo das mensagens electrónicas, comprometedoras para si.

Contactado Adelino Cunha, este recusou comentar. "Não falo com o PÚBLICO", limitou-se a responder. À revista Sábado, explicou que conheceu Silva Carvalho ainda antes de ser nomeado adjunto político do ministro dos Assuntos Parlamentares. Admitiu ainda, ter mantido, por sua iniciativa, contactos com ex-espião durante o período em que exerceu funções junto de Relvas. Do mesmo modo, relatou que contactou "antigos colegas jornalistas alertando-os" para o episódio do envelope, tendo por sua vez informado Silva Carvalho dos rumores que circulavam na AR sobre o conteúdo dos documentos.

Pela transcrição constante no processo das mensagens dos telemóveis apreendidos a Silva Carvalho, Adelino Cunha e o ex-espião trocaram diversas mensagens na semana entre 8 e 15 de Setembro de 2011, aquando do caso do envelope. Por exemplo, combinaram encontrar-se no Hotel Tivoli, em Lisboa, para beberem um café. Mas também se percebe que Cunha foi informando Silva Carvalho sobre se seriam ou não publicadas notícias sobre o assunto. Diligentemente, o adjunto de Relvas até confirma ao ex-espião que a missão fora cumprida e haveria artigos sobre o assunto. Confrontado com estes factos, Miguel Relvas aceitou de imediato a demissão do seu adjunto.

Do processo consta também o peculiar relato por SMS de um jantar de Silva Carvalho com o n.º 2 da Ongoing, Rafael Mora, e Relvas. O repasto ocorreu a 5 de Agosto de 2011, no restaurante Gigi, da Quinta do Lago (ver pág.3). Na audição na comissão de Assuntos Constitucionais, o ministro contou que se encontraram "apenas" uma vez depois de Silva Carvalho deixar o SIED: numa "festa de aniversário no Algarve, onde estavam centenas de pessoas".

A troca de mensagens entre o ex-espião e Relvas não demonstra grande proximidade entre os dois. Quando responde, o ministro é bastante evasivo, mesmo nos poucos SMS trocados acerca de algumas notícias de Nuno Simas. No entanto, Silva Carvalho sentiu-se na liberdade de enviar a Relvas, a 19 de Maio, em vésperas da campanha eleitoral das legislativas, um SMS curto com uma listagem de nomes e siglas.

Para director-geral do SIED e adjunto propunha João Bicho e Filomena Teixeira. O primeiro foi demitido há duas semanas do cargo de director-adjunto do SIED; a segunda ainda é directora de departamento. Para director-geral dos Serviços de Informação e Segurança (SIS), indicava Luís Neves - actual director-adjunto da PJ -, e para sua adjunta Paula Morais - directora de departamento das estruturas comuns das secretas. Na mensagem, o ex-espião deixava sugestivamente em branco o titular do cargo de secretário-geral do Sistema de Informação da República Portuguesa, órgão de cúpula das secretas, ocupado desde 2007 por Júlio Pereira. Cargo que, notoriamente, ambicionava.

E do dia seguinte às eleições ganhas pelo PSD, há ainda uma mensagem para Relvas em que o ex-espião contava que o histórico Ângelo Correia (PSD) estaria a diligenciar para o afastamento de Gil Vicente do SIS de modo a colocar no seu lugar a mulher deste último. Mesmo depois de estar na Ongoing, Silva Carvalho continuava a enviar mensagens com relatórios diários de notícias - reencaminhados pelos serviços de espionagem onde mantinha homens da sua confiança, como João Bicho. Miguel Relvas, já ministro, constava dessa lista de distribuição, como exemplifica uma mensagem de 30 de Junho. Como consta de mensagens datadas de 13 de Maio de 2011, portanto, antes das legislativas. A teia agora revelada apenas suscitou comentários nas bancadas parlamentares mais à esquerda. PCP e BE admitem requerer uma nova audição de Relvas. O PS diz apenas que o ministro deve prestar esclarecimentos no Parlamento.

Este é um tema que desde há semanas preocupa o primeiro-ministro. Passos Coelho observa como o nome do seu braço direito no organigrama governamental aparece cada vez mais insistentemente envolvido com a polémica das secretas. Quem mentir, sai - foi a mensagem que Passos já deixou ao Governo. com M.O.

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