Verdade desportiva e poder no futebol

1. Tentemos compreender os factos de uma forma objectiva, sem que nem sequer se projectem nas pessoas envolvidas. Hoje, enveredamos por uma análise política (gosto desta).

Fruto de uma reunião de sociedades desportivas que participam nas competições desportivas profissionais de futebol, veio a ser indicado, por consenso, um ex-dirigente desportivo do Sporting. Segundo rezam as notícias, o indicado para suceder a Mário Figueiredo foi alcançado a partir de um primeiro acordo entre o Benfica e o FC Porto. Por outro lado, o Sporting, ausente da reunião, manifestou, de imediato, o seu desagrado por tal indicação. Sendo estes os factos principais, partamos para uma sua análise.

2. Em primeiro lugar deve ser dito que não vale o argumento de que os clubes são todos iguais. A admitir-se como certa essa afirmação, torna-se então necessário recorrer à outra que há muito ganhou espaço: há uns que são mais iguais do que os outros. Afirmar que o Sporting é somente um entre tantos, não colhe como argumento válido, como é confirmado pelo facto de o consenso dos outros ter origem primária no acordo entre o Benfica e o FC Porto.

3. Em segundo lugar, numa fase das mais delicadas que viveu a Liga Portuguesa de Futebol Profissional, apoiar um candidato à sua presidência, nestes termos, com esse ponto de partida, não pode deixar de ser encarado, objectivamente, como uma afronta ao Sporting.

Com efeito, com ou sem razão, os dados de partida para esta conclusão, são simples: duas assembleias gerais, da SAD e do clube, conduziram a que o futuro presidente da LPFP se vá confrontar em tribunal, em processo de natureza civil, com pedidos de responsabilidade civil por actos ou omissões respeitantes ao período em que desempenhou funções de gestor na SAD do Sporting.

Significa este estado de coisas, friso, sem saber de que lado está a razão nesse diferendo (os tribunais dirão), que a escolha deste presidente da LPFP, aparte outras leituras – porventura algumas até benéficas -, tem uma leitura política de afirmação de poder e de afastamento Sporting do círculo da tomada de decisões. do Sporting.

4. A verdade desportiva, bem como as manifestações que a colocam em crise, tem, no futebol, como na sociedade em geral, um significado relativo. Não é, no concreto da vivência quotidiana, um valor que é encarado de forma absoluta. A corrupção, o desvio de poder, o tráfico de influências, encontram-se do lado dos outros. Não nos toca.

Neste particular jogo de poder, que não é nada demais se comparado com o jogo político ou empresarial e económico, o que se assiste é que a bandeira da verdade desportiva costuma ser utilizada como um meio para alcançar o poder, do tipo baixa de impostos em campanha eleitoral para as legislativas.

5. Um exemplo, entre muitos possíveis, é-nos precisamente oferecido pela actual situação vivida a três.

Com efeito, nos últimos anos, o Benfica “pegou” nessa bandeira tendo como ponto de referência o FC Porto. Volvidos os tempos, o acordo agora alcançado é sinal de um outro patamar.

Por outro lado, o actual Sporting “não deixou cair essa bandeira”. É ele, afastado do poder e, agora, “corrido” do poder, que se tornou o cavaleiro andante.

Cá estaremos, se lá chegarmos, para ver, aquando da promoção ao poder pelo Sporting, quem será o próximo herói.

Professor de Direito do Desporto

josemeirim@gmail.com

 

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