Um peso que David Moyes carregará até ao fim da carreira

Em dez meses passou de escolhido para suceder a Alex Ferguson no Manchester United a despedido.

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Moyes, à direita, é o passado. Giggs, à esquerda, é o presente. E o futuro? Andrew Yates/AFP

Não deixou de surgir como uma surpresa a decisão do Manchester United despedir David Moyes. Mas, ao mesmo tempo, a notícia não foi absolutamente surpreendente. É verdade que a paciência sempre foi característica dos red devils na relação com os técnicos, mas a dimensão do pesadelo vivido em 2013-14 justifica medidas extraordinárias. Tão extraordinárias como despedir o treinador escolhido pelo próprio Alex Ferguson para seu sucessor, há apenas dez meses. O que faz de David Moyes o técnico do Manchester United com o reinado mais curto em 87 anos.

A dimensão da herança recebida pelo ex-treinador do Everton era considerável: sentar-se num lugar que, durante 26 anos, pertenceu a Alex Ferguson. Um período que rendeu 38 títulos ao Manchester United, incluindo 13 campeonatos de Inglaterra e duas Ligas dos Campeões. A realidade mostrou que era um desafio demasiado grande. E um homem que tinha assinado contrato por seis anos – sensivelmente o mesmo tempo que Ferguson demorou a implementar os seus métodos em Old Trafford e a começar a ganhar troféus – saiu ao final de dez meses.

Moyes falhou todas as metas traçadas, mas com a saída de Old Trafford não se encerra este capítulo da sua carreira. Pelo contrário, os meses que passou no cargo de treinador do Manchester United deixarão marcas profundas. “Ninguém deverá cometer o erro de pensar que a indemnização vai evitar que este seja um dos momentos mais agonizantes da sua vida profissional. Moyes foi o homem errado para o lugar mas não se apercebeu disso. Ele voltará a encontrar trabalho, talvez venha mesmo a ter sucesso, mas a sua reputação nunca recuperará completamente”, escreveu Daniel Taylor no The Guardian, acrescentando: “Será sempre recordado como o homem que sucedeu a Ferguson e estragou tudo. E terá de carregar às costas as consequências de um falhanço tão brutal como um saco de tijolos”.

Num curto comunicado publicado no site oficial, o Manchester United agradecia a Moyes pelo “trabalho árduo, honestidade e integridade com que desempenhou o cargo”. As reacções foram variadas – Peter Schmeichel, ex-guarda-redes do Manchester United e que representou o Sporting entre 1999 e 2001, escreveu na rede social Twitter: “Enquanto adepto do Manchester United gostaria de agradecer a David Moyes por ter dado 100% neste cargo tão difícil e desejo-lhe o melhor no futuro”. Já Gary Neville, jogador do Manchester United entre 1992 e 2001, criticou a decisão do clube: “Os treinadores de futebol agora são empurrados de um lado para o outro, atirados, desconsiderados, atacados. Homens decentes e bons são despedidos – e não é só David Moyes, agora é assim no futebol”, lamentou.

Zero títulos
Escocês tal como Ferguson, Moyes chegou a Old Trafford com um currículo interessante mas onde havia uma lacuna fatal: nunca tinha conquistado troféus. Algo impensável num clube como o Manchester United. Formado nas escolas do Celtic, Moyes teve uma carreira discreta como futebolista. Estreou-se como treinador ao serviço do Preston North End, de onde se mudou em 2002 para o Everton. Com Moyes ao comando, os toffees ficaram apenas duas vezes fora do top-10 na Premier League e qualificaram-se uma vez para a Liga dos Campeões (foram afastados pelo Villarreal na pré-eliminatória).

Afável e de trato fácil, Moyes sentiu algumas dificuldades para se adaptar à nova realidade. O deslumbramento inicial deu lugar a uma desorientação que se tornou evidente. O sorriso aberto dos primeiros dias foi, gradualmente, dando lugar a um rosto preocupado e, depois, a uma expressão fechada. Um homem a precisar de salvação da crueldade e do ridículo, escreveu Paul Hayward no The Telegraph. Um homem que viu os adeptos retirarem de Old Trafford a faixa onde o enalteciam como “O escolhido”, para fazerem um avião sobrevoar o recinto com a mensagem “Moyes, rua”.

“Ao dar-lhe um contrato de seis anos, o United reconheceu que substituir um patriarca há muitos anos no lugar exigiria tempo para [Moyes] impor as suas ideias e adaptar-se. Mas a realidade é que o United não pode dar-se ao luxo de falhar a qualificação para a Liga dos Campeões duas épocas consecutivas”, notou Jonathan Wilson num texto para a Sports Illustrated.

O nível de exigência em Old Trafford era estratosférico, em comparação com aquele a que Moyes estava habituado em Goodison Park. A temporada até começou com a conquista da Supertaça inglesa, frente ao Wigan, mas o pesadelo estava ao virar da esquina. E a partir daí foi sempre a descer. As 11 derrotas sofridas no campeonato são o registo mais elevado desde 1989-90. E as seis derrotas sofridas em casa na Premier League são mais do que nas últimas três épocas somadas.

Uma equipa que é praticamente a mesma que conquistou, na temporada passada, a Premier League com 11 pontos de avanço segue agora com 23 de atraso (e menos um jogo disputado) relativamente ao arqui-rival Liverpool. Os red devils, três vezes campeões europeus (1967-68, 1998-99 e 2007-08) já estão matematicamente arredados da Liga dos Campeões na próxima época. E mesmo a participação na Liga Europa não é um dado adquirido: sétimo na classificação, o Manchester United terá de esperar por uma escorregadela de um dos adversários.

A imprensa britânica escreve que Moyes nunca conseguiu ganhar o balneário do United. Veteranos como Rio Ferdinand e Nemanja Vidic nunca estiveram do lado do treinador, o que dificultou a vida ao escocês. E levou a que outros futebolistas adoptassem atitudes de desafio, como foi o caso de Danny Welbeck, que criticou publicamente as opções do técnico e pediu para sair do clube.

Dinheiro a caminho
Não havia margem para dar tempo a David Moyes. Até porque a opinião generalizada na imprensa britânica é que o escocês não mostrou ser o homem indicado para liderar a reconstrução do plantel que se avizinha – fala-se num investimento superior a 200 milhões de euros. Moyes teve dois reforços sonantes esta temporada – Marouane Fellaini custou 33,5 milhões de euros e Juan Mata chegou por 45,2 milhões de euros – mas não conseguiu tirar um rendimento satisfatório deles.

As listas de candidatos à sucessão de Moyes cresceram rapidamente, com nomes como Jürgen Klopp (treinador do Borussia Dortmund, que já disse não estar interessado no lugar), Pep Guardiola (“não há hipótese”, disse o catalão há um ano no Bayern Munique), Diego Simeone (Atlético de Madrid), Roberto Martínez (sucessor de Moyes no Everton), Carlo Ancelotti (Real Madrid) ou Laurent Blanc (Paris Saint-Germain).

Louis van Gaal, que deixará o comando da selecção holandesa após o Mundial 2014, é um nome com grandes possibilidades. Mas também há a opção de manter Ryan Giggs no comando técnico – aos 40 anos, o veterano galês é um verdadeiro símbolo dos red devils. Giggs acumulava até agora as funções de jogador com as de assistente de Moyes e agora assumiu interinamente o cargo de treinador. Uma coisa é certa: o Manchester United, durante décadas um paradigma de estabilidade no que ao comando técnico dizia respeito, vai começar a nova temporada com uma cara nova no banco de suplentes.

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