Tribunal Arbitral do Desporto: take 3 (e final)?

1. Realizou-se recentemente uma audição parlamentar, por iniciativa do ministro responsável pela área do desporto, congregando membros de duas comissões parlamentares, com o fito de apurar se ainda se mantém válida a justificação para a criação de um Tribunal Arbitral do Desporto (TAD) e, num segundo momento, para projectar as alterações necessárias à respectiva legislação, em face das decisões do Tribunal Constitucional.

Essa audição encontra-se disponível no arquivo do Canal Parlamento (Comissões, Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, 5.2.2014).

Dela parece resultar uma certeza: o TAD vai ser uma realidade ainda este ano e, na sua terceira solução, tudo leva a crer, não encontrará os mesmos obstáculos constitucionais que o Tribunal Constitucional registou quanto às anteriores versões.

3. O procedimento respeitante à criação do TAD – que se vai configurar como uma espécie tribunal especializado para os litígios resultantes do universo desportivo – tem tido uma vida atribulada, em particular quando as duas soluções anteriores do TAD, ou não admitiam recurso para os tribunais ou - segunda versão - só admitiam um recurso excepcional. Toda esta problemática situava-se – e ainda se localiza - na denominada arbitragem necessária, quando os litígios têm contornos administrativos, de natureza pública (desde logo, os disciplinares).

Podendo – e devendo – eu ser responsável por muita coisa (desde logo pelo estado dos meus pulmões), nesta génese do TAD não posso ser acusado de não ter alertado para a eventualidade das mencionadas inconstitucionalidades (em primeira mão neste jornal).

4. Quem se dignar ouvir as intervenções da referida audição, se conhecer a realidade desportiva, nacional e internacional, só pode sentir uma natural e irresistível irritação, tal é a manifesta ignorância demonstrada por alguns deputados.

Entre outros dislates, afirmou-se e reafirmou-se que o Tribunal Constitucional tinha ignorado a realidade. Porquê? Desde logo, porque as federações desportivas internacionais impõem uma proibição de acesso aos tribunais estatais, às suas associadas – as federações nacionais –, sob pena de severas sanções. Porque é assim, resulta, como um dos efeitos dessa proibição, um número insignificante de “questões desportivas” em tribunal. Sei lá, tipo 3,8.

5. Já sabemos que os políticos, em geral, medem o desporto pelo futebol. Assim, à cabeça, não podem decidir bem. Se a realidade que os motiva é somente a ditada por uma modalidade desportiva – por mais relevante que ela seja -, o quadro fica irremediavelmente comprometido no que se refere ao desenho final. Existem, pois, é essa a verdade crua, muitos casos em tribunais estatais, bem para além do futebol.

6. Mas mesmo que funcionemos com a visão deturpada – ignorando o todo -, é redondamente falso que o futebol viva com a proibição do acesso aos tribunais e que os casos que se registam são 2,7 ou lá o que é.

Aqui, os políticos estabelecem “leis” com base no noticiário. A FIFA diz. Há para aí um caso X e Y. Nada de mais errado. Os litígios que se dirimem em tribunal estatal “vivem bem” com a regulamentação FIFA em toda a Europa. Por outro lado, no caso português, não existem só casos que fazem as páginas dos jornais que os políticos recolhem em serviços de clipping, no Ipad ou no tablet. Os treinadores, os praticantes e os clubes desportivos não deixam de vir a tribunal na defesa dos seus direitos e, dir-se-ia, de uma forma crescente.

7. O processo legislativo relativo à 3.ª versão do TAD já se iniciou. O que se gostaria de poder contar era, para os seus “retoques” finais, com deputados que conheçam a realidade. Mas isso, estou seguro, não é fácil de assegurar. josemeirim@gmail.com

 

 

 

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